27 de out. de 2009

Projeto Matrix

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A h+ Magazine publicou reportagem sobre um projeto em desenvolvimento no Departamento de Cibernética da Universidade de Reading, na Inglaterra.

O Professor Kevin e sua equipe conseguiram desenvolver um chip que usa neurônios de ratos para estabelecer e processar os movimentos de um robô.

O robô em questão passou a desviar de obstáculos, sem que tenha sido programado para tal: aprendeu, por si mesmo, que deveria desviar, como fazem os ratos.

O objetivo final do projeto, que também já é desenvolvido em outras universidades e empresas que estudam inteligência artificial, é desenvolver uma maneira de fundir estruturas moleculares humanas com computadores ou robôs.

Há uma discussão ética, e até certo ponto estratégica no mundo desenvolvido, sobre este tipo de estudo.

O temor é que venha o ser humano a enfrentar uma "rebelião das máquinas", que, por uma razão qualquer, poderiam adquirir vontade própria, como na ficção Matrix e Exterminador do Futuro.

Sobre este ponto, respondeu o Professor Kevin que se "se esta pesquisa é feita abertamente e é relatada de forma sensata na mídia de um modo geral, como está sendo, então nada de errado deve acontecer. Me preocupo diariamente em garantir que não haja nenhum tipo de estudo em curso que o mundo não conheça".

É claro que este temor não deve ser um óbice à pesquisa, pois o sucesso do projeto pode ter como lateralidade importantes descobertas para o ser humano.

Descobrir como as memórias criam estruturas neurais no cérebro, e como determinadas informações são armazenadas, podem ajudar a encontrar a cura para várias doenças cerebrais, como Alzheimer e Parkinson, por exemplo.

25 de out. de 2009

Amor, sublime amor

Shot014O jovem Mohammed Warda ganhava a vida, na Faixa de Gaza, como guarda-costas. Perdeu o emprego depois que o Hamas anexou o grupo para o qual ele trabalhava.

Mohammed passou a receber US$25,00 por mês, pagos por seu ex-grupo, para guardar-lhe os segredos.

A jovem May vivia em Ramallah, na Cisjordânia, e estava no ângulo de alcance de uma webcam quando a família de Mohammed conversava, pela internet, com a sua família: são primos.

Os dois se viram e, como nestes contos de amor à primeira vista, amaram-se à primeira vista, via internet.

A Faixa de Gaza está bloqueada por Israel: ninguém entra, ninguém sai.

Já que Mohammed não podia sair, May resolveu entrar: os dois marcaram o casamento.

Para isto, Mohammed lançou mão de todas as suas economias, conseguindo juntar US$ 1.500, quantia cobrada pelos controladores dos túneis clandestinos que saem do Egito até a Faixa de Gaza: comprou a passagem de May.

May foi conduzida pelos pais desde a Cisjordânia, passando pela Jordânia e chegando ao Egito, onde iniciaria a sua jornada subterrânea rumo à Mohammed.

Arrastar-se pelos túneis clandestinos desde o Egito até a Faixa de Gaza é uma jornada infernal, correndo o risco de não chegar.

O túnel é baixo, sendo preciso engatinhar; os egípcios os procuram sob o deserto todos os dias e, quando os acham, bombardeiam-nos, sem perguntar se tem alguém dentro; eles desmoronam constantemente, pois são cavados na areia fina do deserto.

No dia marcado, Mohammed prostou-se ao fim do túnel, do lado do campo de refugiados de Nuseirat, e começou a rogar ao Profeta que guiasse e protegesse a sua amada na jornada até ele.

May, de olhos fechados para neles não lhe cair o deserto, fixava o pensamento em Mohammed, para não perder a coragem de prosseguir.

Como Allah protege os bêbados e os apaixonados, após a eternidade de uma hora, saiu ao escaldante Sol da Faixa de Gaza, uma exausta May, enlameada de poeira e suor.

Mohammed, ao ver a sua amada, gritava a sua felicidade em agradecimentos ao Profeta, enquanto limpava, com as mãos, o rosto de May, para enxergar-lhe a tez que o apaixonara.

Agora, os dois, casados, enfrentarão um desafio tão grande quanto a epopéia da viagem: continuarem apaixonados com os míseros US$ 25 que ele recebe por mês.

Mas isto é outra história.

20 de out. de 2009

Movimento de tropas

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A ala governista do PMDB, tendo como Marechal de Campo o Presidente da Câmara Federal, Michel Temer, janta hoje com o Presidente Lula.

O prato principal dos comensais: a aliança com o PT visando a eleição da Ministra Rousseff à Presidência da República em 2010.

A sobremesa: um nome do PMDB para vice de Dilma.

Com esta tese, garantem os líderes governistas do PMDB - em resposta à dúvida do Presidente Lula sobre o êxito da empreitada na convenção nacional do partido - a proposta tem passagem certa.

Lula sabe que mesmo em sendo aprovada a aliança PMDB-PT, a possibilidade de o PMDB marchar unido à candidatura da Ministra Rousseff é um singularidade tão improvável quanto baixar um disco voador no próximo final de semana no gramado do Alvorada.

Aliada a esta singularidade, há a evidência circunstancial de que a ala não governista do partido já arregimenta as tropas e traça estratégias para bancar a dissidência rumo ao Palácio dos Bandeirantes, onde está encastelado o principal opositor da Senhora Rousseff, o Governador José Serra.

É de eventualidade clara que a ala governista do PMDB controla o partido formalmente, tendo a maioria dos delegados que votarão na Convenção Nacional: teatro de operações do embate final sobre a aliança a ser contratada em 2010.

É fato, ainda, que esta ala governista, com comando difuso em diversas regiões do Brasil, tem musculatura suficiente para montar os palanques da Senhora Rousseff e reforçar-lhe, substancialmente, a infantaria que precisará na sua trabalhosa incursão.

No entanto, em termos eleitorais, a falange peemedebista que ora sobe as ladeiras do Morumbi, com a intenção de aliar-se a Serra, não passa despercebida: comanda estados de grande densidade de votos.

Tropas do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, poderão se juntar ao contingenciamento de São Paulo, onde Orestes Quércia tem o comando partidário.

No Nordeste, há uma brigada serrista bem consolidada: trata-se da resistência de Pernambuco, onde Jarbas Vasconcelos comanda a cabeça de ponte que resiste à aliança com o PT.

Em se consolidando esta frente, ela marchará rumo à Minas Gerais, onde, embora Hélio Costa faça parte do Ministério de Lula, há espaço para convencê-lo a arriar a bandeira petista, caso se vislumbre o apoio de Aécio Neves ao PMDB na sua empreitada de conquistar o cobiçado Palácio da Liberdade.

Lula, portanto, não se sente confortável em entregar o lugar de vice-presidente na chapa que elabora, a um PMDB que sempre foi dividido.

Por outro lado, mesmo em dividido, cada lado do partido é maior que qualquer outra agremiação que se apresente ao rol de possibilidades da chapa governista.

Mesmo dividido, o PMDB tem reconhecido poder de arregimentação e capilaridade federativa: é o maior partido do Brasil.

Portanto, o jantar que Lula oferece aos governistas do PMDB, não deixa de ter o certo gosto aziago da angústia de querer sem a certeza de ter.

16 de out. de 2009

A Vale sitiada

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Embora, conceitualmente, eu tenha tido opinião favorável à privatização da Vale, escrevi vários artigos criticando o processo através do qual a empresa foi liquidada pelo governo FHC.

Achava, e continuo na mesma opinião, que a Vale não era o tipo de empresa que o governo teria que pagar para se desfazer: o financiamento público entregue a quem lhe comprou as posições, aliado ao baixo preço quando se bateu o martelo no lance, foi um dote aos arrematadores.

Mas o governo não perdeu toda a posição acionaria na companhia: os fundos de pensões têm significativo percentual votante e o produto que a Vale explora, assim como a logística que opera, são concessões públicas.

A Vale, portanto, comete um erro contextual ao se colocar como uma empresa totalmente privada, passando ao largo das conveniências públicas, e apenas eventualmente tangendo os interesses que o governo tem nas suas incursões.

Este distanciamento gerencial, potencializado por interesses laterais, cozinhou a sopa que o Presidente Lula ora serve ao Presidente da Vale: Roger Agnelli sente, a cada sorvida do caldo, que se deve reportar ao Palácio do Planalto da mesma forma que o faz aos seus patrões imediatos.

A gota d’água no copo do Planalto foi a última reunião que Agnelli teve com o Ministro Mantega e o Presidente do BNDES, Luciano Coutinho, em 8 de setembro, quando o clima se tornou ácido e foi protagonizado um quê de bate-boca entre os interlocutores.

Agnelli adquiriu ali dois adversários poderosos dentro do governo e, lateralmente, fez sair das sombras o empresário Eike Batista, usado para disparar públicos petardos contra aquele.

Para Eike Batista o evento caiu bem: deseja colocar as mãos em qualquer lugar do corpo da Vale e viu, na conjuntura, uma oportunidade de chegar perto, inclusive influenciando na escolha de um possível substituto de Agnelli.

O Planalto, através do próprio Presidente da República, capitaneou a operação de colocar o Presidente da Vale em cheque: Lula declarou, em 17 de setembro, à "Valor", que "a Vale não pode ficar se dando ao luxo de ficar exportando apenas minério de ferro".

A declaração denota a intenção do governo de usar a colocação que detém na empresa para obrigá-la a cuidar de um perfil que ela insiste em não possuir: investir parte dos seus lucros em fomento industrial, a fim de gerar emprego, renda e oportunidades ao país de onde ela tira a sua riqueza e desenvoltura internacional.

As explicações de Roger Agnelli à paralisação de dois destes investimentos têm fundamento.

A construção da usina siderúrgica do Espírito Santo, orçada em US$ 5 bilhões, está parada porque o Ibama ainda não aprovou a licença ambiental e, mesmo em aprovada, o torque da obra não poderá ser acelerado, porque a chinesa Baosteel, que seria parceira da Vale no empreendimento, desistiu do negócio.

A Companhia Siderúrgica do Atlântico, no Rio de Janeiro, orçada em US$ 5 bilhões, enfrenta dificuldades financeiras: o parceiro da Vale no empreendimento, o grupo alemão ThyssenKrupp, desistiu do negócio e a Vale teve que ampliar sua participação no capital.

Em ambas as desistências, o motivo alegado foi a crise econômica mundial.

Em um terceiro empreendimento, a usina siderúrgica de Marabá, no Pará, orçada em US$ 3 bilhões, também congelada, a justificativa do Senhor Agnelli, embora seja verdadeira na forma, não seria um óbice o conteúdo.

Alega o Presidente da Vale que a dita siderúrgica não saiu da prancha porque o governo do Pará se comprometeu a doar o terreno para a empreitada, mas não o fez até o momento

Isto soa mais como uma desculpa e quase nada como uma justificativa: se a engasga em um projeto de R$ 3 bilhões, por um terreno cujo valor é de pouca monta no peso específico da obra, é índice de que não há determinação no sentido.

Afirmou, Agnelli, em recente conversa com o Presidente Lula, que a Vale investiu no Brasil, em 2009, 70% do seu lucro: este não é o ponto da discórdia e sim a reticência do texto. Onde, como, e para quem estes sinos estão dobrando?

O timoneiro da Vale precisa refinar a sintonia da empresa. Não é necessário desviar-lhe o sentido, todavia, é significativo que se corrija a direção: a Vale não tem contribuído com o Brasil na mesma medida que o Brasil lhe tem permitido contabilizar os lucros.

Se este não é o rumo que o Senhor Agnelli quer emprestar à companhia, está claro agora qual o rumo que o Brasil quer que ela tome.

Todavia, não pode o governo agir de forma temerária, a permitir que interesses puramente comerciais, como é o caso de Eike Batista, sejam travestidos de oportunidades para a finalidade que se quer alcançar.

Se é para mudar o Presidente da empresa, que se busque alguém bem longe do raio de ação de Eike Batista: tudo o que ele quer na Vale é fazer exatamente aquilo que o governo quer redefinir.

5 de out. de 2009

Um conto de natal

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Ele despertou em uma noite fria de Natal. Embora a chuva fosse fina a roupa lhe estava completamente encharcada.

Olhou-se em uma poça d'água: um rosto duro mas terno; cabelos despenteados, barba há  muito por fazer. Mãos sujas e calejadas. Os dedos ossudos e compridos terminavam em unhas grossas e fortes.

Sentiu sede. Mergulhou as mãos na poça que lhe servira de espelho e bebeu.

Saiu a caminhar. O piscar constante das luzes e dos anúncios de natal o deslumbraram.

Entrou em um shopping. Caminhava pelos corredores quando dois seguranças o tomaram pelo braço, arrastando-o para fora. Reagiu: tomou um soco e foi jogado à sarjeta.

Voltou a caminhar. Sentiu fome ao passar em frente a uma casa em cujo jardim se postava uma mesa preparada para a ceia de natal.

Entrou no jardim e, ninguém havendo à mesa, serviu-se. Os donos da casa, ao verem a cena, chamaram a polícia que o conduziu à delegacia, trancando-o em uma cela solitária.

Ele, ao longe, ouviu uma música suave de natal. Suas mãos e pés doíam muito, como se algo os tivesse perfurado. Mesmo com a dor, adormeceu.

Pela manhã, quando o guarda foi até a cela, constatou que, embora a porta estivesse trancada, o homem desaparecera.

O policial olhou no canto esquerdo da cela e viu a roupa que o homem trajava: uma espécie de túnica antiga. Pegou a túnica pela ponta e, ao suspendê-la caiu algo ao chão.

Abaixou-se para pegar o objeto. Soltou um palavrão: seu dedo sangrou.

Pegou com mais cuidado. Ao levantar e observar o objeto, constatou, com certa perplexidade, que se tratava de uma coroa de espinhos.

Quanto mais melhor

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O Congresso Nacional, através das mesas das duas casas, concedeu aos Deputados e Senadores um aumento salarial de 91%.

Com o aumento, o salário do parlamentar federal, que era de R$12 mil, passa para R$24 mil reais

Isto tem repercussão imediata nos salários das Assembleias Legislativas e das Câmaras Municipais.

Com tal salário bruto, um Deputado Federal, ou Senador, passará a receber, a partir da próxima legislatura, um valor líquido aproximado de R$18 mil, pois há o desconto do Imposto de Renda.

O fato é que, na prática, os parlamentares dobraram os seus próprios salários.

A legislação é bem recebida pela sociedade, quando se reveste de valores éticos e morais, principalmente, quando decreta austeridade.

Quando ela se faz como um bônus exclusivo a quem a emitiu, é claro que o distinto público não recebe bem a notícia: as reações à atitude inadequada das mesas da Câmara e do Senado foram imediatas e pertinentes.

Não se deve esperar que aquele que tem a prerrogativa de fazer o seu próprio salário seja sovina no momento de reajusta-lo: será compelido à lógica do quanto mais melhor.

Só ficar indignado não resolve o essencial: a falta de meios legais para coibir a prática abusiva das prerrogativas parlamentares.

Atos como estes não devem ser adstritos a uma simples resolução das mesas diretoras, que estão sujeitas à pressão dos parlamentares que se escondem na desnecessidade do voto sobre a questão.

Alguns até fazem o discurso contra, mas sabem que isto não terá repercussão na resolução e aceitam o contracheque como um fato consumado: a hipocrisia sempre foi o arrego da dissimulação.

A necessidade do aumento dos parlamentares ser submetido a plenário, em voto aberto, seria uma forma de impor os olhos da sociedade sobre o desejo, que sempre todos vão ter, de ganhar mais: não conheço categoria que pudesse pensar diferente se tivesse as mesmas prerrogativas.

É necessário, portanto, que a sociedade, no calor da indignação, discuta meios de impor limites na questão salarial dos membros dos poderes legislativo, judiciário e Ministério Público, que despontam como as autoridades mais bem pagas do mundo.

Ser um país que está entre os que melhor paga as suas autoridades no mundo seria ótimo para o Brasil, se, também, figurasse em igual calado em outros índices dos quais pudéssemos nos orgulhar; o que não ocorre: o Brasil ainda tem um dos piores índices de qualidade de vida e de justiça social da Terra.

Portanto, em termos relativos, tendo como referencial o salário mínimo, ou até mesmo o salário médio do trabalhador brasileiro, e dos próprios trabalhadores do serviço público nacional, os salários do Poder Judiciário, Legislativo e Ministério Público estão bem acima do nível que poderíamos chamar de respeitoso.

Em um país cheio de injustiças sociais, que com o passar dos anos, dos mandatos e das togas, não tem conseguido equacionar um mínimo de oportunidades à sociedade, um parlamentar ganhar R$18 mil não é adequado, e um Ministro de um Tribunal, como há alguns, ganhar R$30 mil, é uma injustiça.

Como não é possível aumentar o valor do salário mínimo a níveis que tornem a distância ao teto menos afrontosa, é tempo de encontrar meios para que o teto não se mova para cima, ao sabor das interpretações que convêm a quem vai receber o ordenado.

Cláusula de barreira

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Há cerca de trinta partidos devidamente constituídos e registrados no TSE.

A cláusula de barreira estabeleceu que os partidos precisam ter, para deputado federal, um mínimo de cinco por cento de votos em todo o território nacional. Precisam também obter dois por cento dos votos em, no mínimo, nove unidades federativas da União, nelas incluído o Distrito Federal.

Caso algum partido não obtenha estes percentuais, ficará prejudicado o seu funcionamento parlamentar.

Para os efeitos da lei, entende-se por funcionamento parlamentar o conjunto de regras que definem a atuação dos partidos no Congresso, como o direito à liderança e à participação nas comissões.

O fato de não ter conseguido romper a cláusula de barreira não impede o partido de continuar existindo: a constituição estabelece o pluripartidarismo.

Tal dispositivo se fez visando reduzir o número de partidos políticos, no sentido de coibir a existência dos pequenos agrupamentos partidários, mais conhecidos como legendas de aluguel.

Há ainda a alegação de que a dispersão partidária representa um obstáculo para a formação de maiorias sólidas para votação de questões relevantes na legislação: as pequenas legendas impõem dificuldades para negociações que não envolvem concessões fisiológicas.

Os dois argumentos não se sustentam no texto em que foram erigidos.

Sob o pretexto de evitar a dispersão partidária não se pode banir da vida política nacional, correntes históricas e ideológicas, como, por exemplo, os partidos comunistas, os socialistas e os verdes.

Quanto a esperar que a diminuição do número de partidos tenha como efeito uma base de negociação puramente republicana com as grandes legendas, isto é uma quimera: o fisiologismo não é diretamente proporcional ao número, ou ao tamanho dos partidos do parlamento e sim uma característica conjuntural do sistema.

A cláusula de barreira é um dispositivo saneador do processo democrático latu sensu, todavia, no Brasil, não é pertinente a sua aplicação, posto que o sistema eleitoral é ineficiente para recepcioná-la.

O dispositivo faria sentido no voto proporcional por lista partidária, ou no sistema distrital misto.

Nesses processos a disputa se dá em torno da identidade dos partidos, sua ideologia, seus programas e propostas, onde o resultado das eleições é efetivamente capaz de definir, num momento dado, o grau de representatividade de cada partido na sociedade.

No nosso sistema os partidos são personalistas. Os votos são de clientela, seja por compra pura e simples, via assistencialismo, votos corporativos, de notoriedade individual e, finalmente os votos de opinião.

Os partidos pragmáticos são os que mais têm capacidade de somar votos.

Neste contexto, a cláusula de barreira passa a ser um instrumento de dominação dos grandes partidos, que terminam senhores isolados da República, em detrimento das minorias partidárias, que, sob o pretexto de abrigarem vendilhões, não podem ser extintas junto com o joio.

Por isto, agiu bem o Supremo Tribunal Federal ao decretar a inconstitucionalidade da cláusula de barreiras.

Do que a República carece é de uma reforma política ampla, que reforce a identidade ideológica e programática dos partidos. Que faça da composição das casas parlamentares o reflexo da disputa política séria e conseqüente.

Em assim não sendo, qualquer instituto que se queira inventar ou importar, não fará o mínimo sentido eleitoral e não terá nenhuma repercussão na qualidade da vida político institucional do regime.

Desenvolvimento ambiental

consumo[1] Na segunda à tarde o clima esquentou no Planalto.

A variação climática não foi provocada pelo desmatamento da Amazônia, mas, pela discussão entre as ministras Dilma Rousseff, da Casa Civil e Marina Silva, do Meio Ambiente.

A Ministra Dilma não gostou do tom usado pela Ministra Marina, quando esta disse não aceitar a decisão do governo de passar por cima até de licenças ambientais para "destravar" obras necessárias.

É claro que a Ministra Dilma tem razão: Ministro que não aceitar as decisões do Presidente da República deve entregar a pasta que dele recebeu.

É claro que a Ministra Marina tem razão: a República não pode passar por cima da legislação para realizar obras.

A licença ambiental não é uma exigência ministerial e sim um imperativo legal sobre o qual a Presidência não pode passar para praticar o "destravamento" do Estado brasileiro.

É um equívoco, deixado ao largo o tom das ministras, querer intuir que o cuidado com o meio ambiente é um óbice ao desenvolvimento. Ao contrário, só poderá haver desenvolvimento com qualidade de vida se o meio ambiente estiver cuidadosamente inserido na equação.

É falacioso o discurso de que as políticas ambientais impedem ou prejudicam o crescimento econômico.

É arrivista a queixa de que a preservação do meio ambiente desestimula a implantação de indústrias ou impede a derrubada de florestas para abrir espaço para a agropecuária.

Pode-se implantar indústrias e produzir bens agropecuários em perfeita harmonia com o meio ambiente, sem destruí-lo.

A diferença é que, caso os senhores da indústria e do agro negócio resolvam praticar políticas ambientais responsáveis e conseqüentes, eles ganharão menos milhões e ficarão menos milionários: parte da fortuna que acumulam será drenada para a sustentabilidade ambiental do empreendimento.

A mesma regra se aplica ao governo que quer promover infra-estrutura: é claro que um país que leva a sério o meio ambiente tem um custo maior na efetivação da sua matriz de desenvolvimento.

Este custo maior, todavia, é apenas na quebra da inércia do subdesenvolvimento.

O investimento em meio ambiente é absolutamente digerido no tempo, resultando em qualidade de vida e bem estar social.

Ao não investimento inicial em manutenção ambiental deve ser, necessariamente, a mitigação pela destruição exercida. Esta, comprovadamente, além de não remediar como deveria, é bem mais onerosa que a prevenção.

E, ao final das contas, tudo é pago pelo contribuinte. Este, portanto, merece pagar um preço menor, que é a prevenção ambiental.

As teses que alegam ser descabida a preocupação ambiental frente à necessidade de desenvolvimento são todas provadas como falsas por estudos recentes, que mostraram não haver uma relação estatística entre o desmatamento, por exemplo, e melhores indicadores econômicos.

Está estatisticamente demonstrado, também, que a industrialização no Brasil, fortemente apoiada em setores de elevado potencial poluidor, não proporcionou um crescimento sustentado, que trouxesse benefícios para toda a população.

O Brasil, portanto, precisa buscar eficiência ambiental, até mesmo como forma de respeito à nação.

Queremos progresso e desenvolvimento. Sabemos que energia, estradas, produtos agropecuários, industriais e tecnológicos são elementos necessários à geração de riquezas.

Todavia, é imperioso acrescer o elemento ambiental à equação. O país que não conseguir montar esta matriz está condenado, literalmente, a ficar sufocado no percurso.

Estranho no ninho

Imagem de capa do livro Freakonomics Nelson Jobim quer ser candidato a Presidente da República pelo PMDB.

Já nutriu expectativa menor, quando deixou a vitaliciedade do Supremo Tribunal Federal, insinuando-se ao PMDB para que este o fizesse candidato a vice de Lula.

A manobra não deu certo: ele não combinou com quem, efetivamente, tem comando no difícil manejo do partido.

Sem a toga do STF, e na impossibilidade de vesti-la de novo, o ex-ministro da Justiça de FHC resolveu partir para algo mais trabalhoso que a sucessão de Márcio Thomaz Bastos: quer presidir o PMDB nacional, achando que isto o credenciará ao sonho do primeiro parágrafo.

Viabilizar-se com candidato e lograr êxito na empreitada é uma tarefa indócil para quem está há algum tempo afastado do banzeiro partidário e, mesmo quando estava na marola, não remou o suficiente para ser reconhecido como um timoneiro.

Jobim, na campanha que iniciou, foi procurar, no Rio Grande do Sul, Rigotto e Pedro Simon. Recebeu o apoio dos dois: isto não quer dizer coisa alguma na convenção.

Depois foi atrás de Renan e Sarney. Os dois afirmaram que nada têm a opor à candidatura de Jobim. Isto quer dizer o seguinte: você pode ser candidato, mas nós vamos ter o nosso.

Aliás, Sarney está ávido por substituir Michel Temer na presidência do PMDB, mas, como não entra em bola dividida, nem que a vaca tussa, só o será ser for ungido por uma salva de palmas dos convencionais: isto, se não é impossível, é improvável.

Depois Jobim foi tomar cafezinho com Jarbas Vasconcelos, ex-governador de Pernambuco, eleito Senador da República, que vem a ser o maior expoente dos senadores peemedebistas que já se alinharam em oposição a Lula.

Vasconcelos prometeu ajudar Jobim na pretensão de vir a presidir o partido, mas, em que pese a envergadura política de Vasconcelos, Rigotto e Simon, eles juntos não têm votos suficientes na convenção do PMDB, sequer para eleger o guarda-livros.

O discurso de Jobim é o mesmo de todo candidato que vier a disputar com ele, que é unir o PMDB: isto é uma quimera.

O PMDB reúne lideranças regionais fortes, por conseguinte, a sigla não será unida por alguém que não tenha, no mínimo, a visão pragmática desta diversidade, e não saiba trabalhar as adversidades que daí aparecem.

Unanimidade no PMDB é uma palavra inexistente. Maioria qualificada é uma probabilidade que só foi conseguida, na história recente do partido, com Ulisses Guimarães e Jader Barbalho: este, aliás, quando presidiu o PMDB, foi o derradeiro a dar certa tez monolítica ao partido.

Em que pese a respeitabilidade do nome de Nelson Jobim, este não reúne as características necessárias para presidir o PMDB: seria um estranho no ninho.

Caso ele insista na empreitada, deverá curtir uma derrota pela qual não deveria passar.

Caso, por ventura, ele viesse a vencer, o PMDB continuaria a ter um presidente sem representatividade, como é Temer, que já se conformou com a realidade que lhe pesa, e resolveu se quedar ao fato de precisar entregar um cetro que há muito não é seu.

In extremis!

O anjo caído - Salvador Dali Quando as eleições ainda estavam em fase de construção de candidaturas, o PT já tinha um nome posto para o governo: Mario Cardoso.

O PMDB ainda cambaleava entre apresentar o nome de Jader Barbalho ou escolher dentre outros que o partido dispunha, porém sem a força e a representatividade eleitoral peculiar ao líder maior da sigla.

A União pelo Pará já se decidira por Almir Gabriel, que julgava imbatível nas urnas, emprestando-lhe a perspectiva de vitória em primeiro turno.

Não é segredo aos que acompanham os corredores internos das articulações eleitorais, que Jader Barbalho foi o artífice do deslocamento de Mario Cardoso para a disputa pelo Senado, abrindo a vaga para o encaixe do nome eleitoralmente mais viável: a Senadora Ana Julia.

O planalto endossou a arquitetura de Jader e convenceu os interesses diversos do PT de que aquela era a melhor solução para despejar o tucanato que se instalara há 12 anos no Pará.

Na engenharia, coube ao Deputado Federal José Priante, a missão de entrar em campo, no comando formal do exército peemedebista.

O objetivo das duas frentes que se formaram, capitaneadas pelo PMDB, com Priante e Ana Julia pelo PT, era levar a eleição para o segundo turno e, uma vez alcançada esta etapa a bom termo, unir as forças para travar a batalha final, seja quem fosse o vencedor do primeiro embate.

Diante da conformação do tabuleiro, ainda os tucanos alardeavam a liquidação da fatura em primeiro turno: acreditavam não ser páreo para Almir Gabriel, a força de oposição que se alinhou.

Os ventos da mudança, mote das campanhas de oposição, cismado na própria fadiga do material tucano, foram, de fato, o principal cabo eleitoral da oposição: quem conseguisse capitalizar de forma mais razoável a brisa que soprava, seria aquele que poderia alcançar o outro lado da longa meia-noite que se instalara no Pará.

É claro que o contingente do governo, com a teia de interesses e serviços que conseguiu tecer em 12 anos, deu sustentação espetacular ao candidato tucano, todavia, o erro de avaliação da União Pelo Pará foi exatamente na escolha do candidato: não intuiu a coalizão, tão pouco o próprio candidato escolhido, que o seu tempo já houvera passado.

Almir Gabriel no equívoco de tentar ser governador pela terceira vez, desprezando uma análise conjuntural mais despida das espumas que ele ainda julgava fazer em sua taça de champanhe, entornou ao chão o mito que construíra na messe tucana: com a derrota ele tende a perder a referência política que fora até então.

Pior que isto, a sua derrota, por vias óbvias, se transformou na vitória daquele que ele, de forma casmurra, escolheu como seu arquiinimigo político, Jader Barbalho.

Jader Barbalho, ao manejar o retrato da sucessão de Simão Jatene, estava, de fato, mesmo em tendo sido isto subseqüente, preparando o prato frio que seria servido a Almir Gabriel: uma refeição que este não imaginou digerir.

Nada disto diminui o mérito do PT e da governadora eleita, que avançou com dificuldades imensas em cada milímetro do território conquistado, fazendo com que a União pelo Pará, que se não era apenas uma coalizão de interesses do governo, busque sobrevivência na oposição.

Não é de se esperar que esta oposição se faça com todos os membros da coalizão: é praxe que haja movimentação de tropas, induzida pela força centrípeta do poder.

A política é uma manifestação apaixonada da alma humana e suas idiossincrasias mais esquisitas.

Ao cabo, nas festas do sucesso todos devem reivindicar um quinhão do bolo, afinal, a vitória tem muitos pais.

Na solidão do infortúnio, embora tenha doído em muitos a bordoada, todo o peso da desdita cai somente nos ombros de quem ousou ignorar os tempos, pois a derrota é órfã.

Com que roupa?

Políticos - William Gropper O Brasil adota o sistema de listas abertas: o partido entrega, à Justiça Eleitoral, uma lista de candidatos e o eleitor vota, nominalmente, em qualquer um dos candidatos arrolados por qualquer partido.

Definida a quantidade de vagas que cada partido conquistou, estas são preenchidas obedecendo-se a ordem de votação decrescente que cada candidato do respectivo partido obteve.

No sistema de listas fechadas o partido entrega à Justiça Eleitoral uma lista com nomes. O eleitor vota no partido e não nos nomes da lista.

A votação obtida pelo partido indica o número de vagas a que terá direito: se o partido obteve votos para preencher cinco vagas, essas serão ocupadas pelos cinco primeiros nomes da lista.

O sistema de listas fechadas é usado pela maioria das democracias do mundo, que optaram por eleger os seus parlamentares pelo sistema proporcional.

A premissa dos que são contrários às listas fechadas não tem sustentação nuclear.

O sofisma da tese está no fato de que, no ponto em que se quer diferenciar as hipóteses, elas são absolutamente similares: tanto no sistema aberto quanto no sistema fechado, quem comando a elaboração das listas é o chefe político.

Em quaisquer dos sistemas, a figura do chefe político continuará sendo o centro de gravidade: é ele que elabora, também, a lista aberta que vai a registro na Justiça Eleitoral.

Se o eleitor pensa que vota em quem quer, está, à meio ponto, equivocado: ele vota em alguém que o chefe político previamente listou para ele escolher.

Em se tendo que opinar entre os dois sistemas, a lista fechada serve melhor a democracia.

O sistema atual enseja o enfraquecimento partidário: o agente político deixa de ser o partido, cujo fortalecimento é essencial para a democracia, para ser o candidato.

A pregação política abandona princípios programáticos para se situar em qualidades pessoais, destarte duvidosas.

No atual sistema o parlamentar se considera proprietário do mandato, e como o partido não tem solidez, a infidelidade partidária é explícita.

Ainda, é falsa a assertiva de que na lista aberta o eleitor sabe quem vai eleger: embora votando no candidato de sua escolha, pode, pelo sistema do quociente, estar contribuindo para a eleição de outro.

Nas coligações proporcionais o desvio é ainda mais grave, pois, ao se votar em um candidato de tal partido, pode-se estar elegendo um candidato de outro partido, integrante da mesma coligação.

Como as coligações são livres, e muitas vezes bizarras, o eleitor vota num candidato com determinado perfil ideológico e pode eleger outro de perfil antagônico.

A opção da lista fechada responderia à crise dos partidos, como instrumento de fortalecimento do sistema democrático.

O voto em lista fechada é efetivamente partidário, superando as disputas pessoais: a preferência eleitoral recairia sobre os programas e linhas ideológicas do partido.

Na lista fechada a campanha eleitoral é coletiva e não individual. O dono do mandato é o partido, o que, aliado à fidelidade partidária, serviria para unificar a linha política da bancada.

Por fim, afastaria o financiamento ilícito de campanhas, pois a lista fechada conduz ao financiamento exclusivamente público.

Não será tarefa simples elaborar um projeto final de Reforma Política que venha a atender todas as conveniências dos senhores da República, mas, é um fato que ela precisa ser conduzida a um bom termo: o atual sistema de ingresso parlamentar está exaurido.

Lula de novo

Lula - Grafite de Yolanda Urrea Os países latino-americanos que já conseguiram romper as ditaduras, não têm tido boas histórias para contar de seus presidentes reeleitos.

O Brasil não é uma exceção: FHC encerrou o seu oitavo ano de presidência com nível sofrível de aprovação popular e não mais conseguiu se reerguer enquanto político, principalmente quando quer se meter, com a falsa propriedade que lhe é peculiar, nos assuntos que não conseguiu resolver.

Lula fez um primeiro mandato com a legitimidade que nenhum outro presidente do Brasil jamais teve; atravessou-o em meio a adversidades que jamais outro enfrentou; reelegeu-se em circunstâncias mais propícias que a sua primeira eleição, o que o torna um fenômeno eleitoral nas democracias do mundo.

Em função disto reúne as condições políticas para romper a regra do primeiro parágrafo deste texto, e ser a exceção que guindaria a sua biografia ao lugar que ele deve lutar por merecer na história do Brasil.

Quando FHC iniciou o seu segundo tempo, o Brasil vivia uma crise financeira, em parte, afirmam alguns analistas ácidos desta época, devido ao grande esforço que a república dos tucanos fez para financiar a própria reeleição do príncipe.

Lula assume o segundo mandato com a economia brasileira sólida: o seu governo, destarte as críticas contextuais à política econômica, tem o crédito de ter feito um excelente trabalho neste campo.

O discurso de Lula tem agora o tom de alavancar o desenvolvimento atendendo as peculiaridades regionais, coisa pífia em seu primeiro mandato, devido exatamente às restrições que a busca da solidez econômica impunha.

Lula sabe que precisa tanger o Brasil a um crescimento mais significativo, para que seja este o seu diferencial e o seu legado: ele tem consciência do que deve ao povo brasileiro, que o legitimou de novo, de forma incontestável, apesar de todos as tentativas de despejá-lo do Alvorada.

Lula é ciente de suas conquistas. Sabe que o mundo o considera um político notável: construiu a maior federação trabalhista da América Latina e montou um partido de esquerda do nada.

Foi o torneiro mecânico que saiu da fábrica para ser o Presidente de uma das maiores democracias do mundo, em umas das maiores economias do mundo.

Isto o obriga a pensar, neste segundo mandato, além dos meros horizontes do cotidiano administrativo.

Não adianta o preconceito usar o argumento  da impropriedade intelectual para torcer o nariz para Lula: ele é extremamente perspicaz e sabe que para combater a pobreza são necessários empregos e crescimento.

Sabe que é necessário investir para crescer. Sabe que este crescimento não pode ser obtido, de forma sólida, sem a condução disciplinada da economia. Portanto, não se espere mudanças radicais na política econômica.

Segundo ele mesmo, não mais delegará o comando político para terceiros: será ele o condutor do seu governo.

Isto é índice de que as alianças necessárias à governabilidade serão elaboradas pessoalmente, portanto mais produtivas e confiáveis na medida em que ele será o avalista dos seus próprios acordos.

É claro que estes acordos tendem a ser a grande dificuldade do Presidente.

O Congresso Nacional, por via de conseqüência do sistema eleitoral, é extremamente fragmentado, o que torna as coalizões meramente eventuais e algumas vezes pouco republicanas, mas, Lula adquiriu a expertise no trato destas dificuldades: já sabe o que pode e o que deve fazer, ou melhor, o que não pode e o que não deve fazer.

O seu maior legado, todavia, já está sendo devidamente escrito: a consolidação definitiva da democracia no Brasil, a ser consumada com a Reforma Política que há de vir.

Água a quem tem sede

aguas[1] É necessária uma ação enérgica dos poderes constituídos, para conter o desperdício de água, ao mesmo tempo que se busca universalizar a sua entrega.

Os recursos hídricos do planeta têm sido vetores de desenvolvimento econômico, porém, a crescente busca por água vem degradando as fontes naturais.

As cidades têm alterado o ciclo natural da água, e os ecossistemas que lhe garantem quantidade e qualidade estão sob forte pressão.

Segundo indicam dados da WWF internacional, “o meio ambiente está enviando sinais de alerta que têm sido largamente ignorados até o presente momento”.

A expectativa em torno de uma crise mundial da água apóia-se em tendências claras.

Existem 23 megacidades no mundo, com mais de 10 milhões de habitantes. De acordo com dados do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, a cada ano, somam-se 60 milhões de novos habitantes a estas megacidades, acirrando as demandas por água e multiplicando os problemas decorrentes da superexploração, poluição ou má gestão dos recursos hídricos.

Até 2025, cerca de 5 bilhões de pessoas estarão vivendo em zonas urbanas, atrelando qualquer solução para a crise da água à governabilidade das cidades.

Metade das cidades européias já explora águas subterrâneas acima da capacidade de reposição natural.

A Cidade do México está afundando, literalmente, devido à retirada excessiva de água do subsolo.

Diversos países têm sérias dificuldades com a poluição de seus aqüíferos, em alguns casos, diretamente relacionada à super exploração ou redução da recarga.

Outra tendência, que reforça o quadro de crise mundial da água, é a dos conflitos em regiões, onde dois ou mais países compartilham a água de rios ou aqüíferos subterrâneos comuns.

A desigualdade social também estabelece barreiras no acesso à água, separando ricos e pobres: são as populações mais pobres as mais expostas a desastres relacionados à água, incluindo secas freqüentes, desertificação e inundações de larga escala.

Na média mundial de uso da água, o maior porcentual se destina à agricultura com 67%, seguida da indústria, com 19%. O uso municipal ou residencial fica com 9%. E estes 9% são distribuídos de forma absolutamente desequilibrada entre pobres e ricos, com pelo menos 3 bilhões de pessoas obrigadas a servir-se de águas contaminadas.

Na maioria dos países em desenvolvimento, cerca de 90% dos esgotos são jogados, in natura, nos cursos d’água.

O resultado, de acordo com a OMS, é que mais de 5 milhões de mortes anuais são ocasionadas por doenças de veiculação hídrica e pelo menos um quarto da humanidade permanece sem acesso à água segura e saneamento.

Um total que pode chegar a 3,5 bilhões de pessoas ou metade da população mundial esperada, dentro de 20 anos.

É um quadro preocupante mas não irreversível. Tudo depende do cidadão tomar consciência de que na sua cesta de atenção e cuidado, deve estar o modo como estamos gerenciando o uso da água e a política que os governos estão adotando para a sua exploração e comercialização.

Informação, por favor!

fone[1] Traduzi este texto de uma edição de 1959 da Reader’s Digest, conhecida, no Brasil, como Seleções: achei-o singelamente belo e resolvi compartilhar.

O autor é Randolh Kinsey. Não sei se ele ainda vive. Eis o texto:

Quando eu era criança, meu pai comprou um aparelho preto, em forma de caixa que se afixou à parede.

Dentro daquele aparelho existia uma pessoa cujo nome era "Informação, por favor". Ela sabia tudo, do número de qualquer pessoa até a hora certa.

Um dia eu fiquei só em casa e, mexendo na caixa de ferramentas, machuquei meu polegar com um martelo.

Chorando, lembrei-me do telefone. Peguei uma cadeira e usei-a para alcançá-lo. Desenganchei o receptor, segurei-o próximo ao ouvido como minha mãe fazia e disse: "Informação, por favor?”.

Uma voz suave e clara respondeu. Disse-lhe que havia machucado o dedo. Ela perguntou-me se minha mãe estava em casa e se o meu dedo sangrava.

Ao ouvir que eu estava só e que o dedo não sangrava, com voz calma e terna orientou-me para ir até a geladeira, que lá pegasse uma pedra de gelo e a segurasse firme sobre o dedo machucado.

Depois disto, eu a chamava pra qualquer coisa: pedia ajuda nas tarefas da escola e até orientações sobre qual tipo de comida eu poderia dar ao meu esquilo.

Certa vez pedi a ela que me ensinasse a soletrar a palavra consertar: ela passou alguns minutos me ensinando isto, até que aprendi.

Quando o meu canário morreu, eu chamei a "Informação, por favor".

Ela ouviu atentamente o meu lamento e me falou palavras de conforto. Mas eu estava inconsolável e perguntei-lhe por que os passarinhos morriam e não podiam mais cantar?

Ela respondeu calmamente:

- Paul, lembre-se sempre de que existem outros mundos onde se pode cantar...

Quando eu estava com nove anos, mudamos para Boston. Senti muitas saudades dela.

"Informação, por favor" pertencia àquela caixa de madeira na parede: eu nunca pensei em tentar a mesma experiência com o telefone que ficava sobre a mesa, na sala de nossa nova casa.

Anos mais tarde, ao viajar para a costa oeste para iniciar a universidade, fiz uma parada de meia hora em Seattle, onde eu morava quando criança.

Sem pensar no que estava exatamente fazendo, eu disquei para o número de informação.

Quando atendeu, milagrosamente, ouvi a suave e clara voz que eu tão bem conhecia. Eu não havia planejado isso, mas ouvi a mim mesmo dizendo:

- Você poderia me dizer como se soletra a palavra consertar?

Houve uma longa pausa. Então ouvi:

- Espero que seu dedo já esteja bem sarado agora!

Sorrindo satisfeito, disse-lhe que ela havia significado muito para mim e que era uma das mais ternas recordações da minha infância.

Ela respondeu que nunca pode ter filhos, e ficava aguardando ansiosamente o meu contato.

O vôo chamou. Perguntei-lhe se poderia vê-la quando eu fosse visitar minha irmã. Ela respondeu que sim, que ligasse e chamasse por Sally.

Três meses depois voltei a Seattle. Uma voz diferente atendeu. Eu perguntei por Sally.

- Você é um amigo? Ela perguntou.

- Sim, um velho amigo. Respondi.

Ela disse:

- Sinto muito em dizer-lhe, Sally morreu há um mês. Ela lutou com um câncer por toda a vida, mas há um mês Deus a levou.

Fiquei mudo. As lágrimas, copiosamente, derramaram. Ela continuou.

- Seu nome é Paul?

- Sim. Respondi.

- Sally deixou uma mensagem para você. Ela deixou escrita caso você ligasse. Deixe-me ler.

A mensagem dizia: "Ainda acredito que existem outros mundos onde podemos cantar".

Chuchu com polenta

richpoor[1] A consolidação da democracia brasileira não se deu com FHC. Embora este sempre se tenha auto intitulado um exilado pelo regime militar, este jamais o ameaçou e nunca representou um risco para o conforto das elites nacionais.

FHC nada mais foi que um enrustido representante da aristocracia paulista, travestido de social democrata.

Foi Lula quem concretizou os alicerces da democracia nacional. Com ele, e após ele, se faz impraticável qualquer arremedo de volta a um regime de exceção.

A agenda social de FHC não passou de um quesito programático, concebido com a empáfia sociológica plástica da Senhora Cardoso.

O Brasil sem diploma, sem eira e nem beira, que não faz compras na Rua Oscar Freire e nem janta no Mangal das Garças, não foi preconceituoso com a Avenida Paulista: elegeu FHC duas vezes.

A inteligência nacional não questionou os erros da era FHC com a virulência que poderia ter concebido, nas diversas oportunidades que o tucanato cometeu, ao produzir fatos que, se lidos com a ótica que a imprensa tem hoje, produziriam escândalos similares a estes que ora se debitam ao Presidente Lula.

Saiu o sociólogo de Higienópolis e entrou o torneiro mecânico.

No imaginário popular, Lula representa o mito da oportunidade dos países livres: pode-se sair do sertão pernambucano em busca do que comer e vir a ser Presidente da República.

Se não pode ser para todos, mas, foi um daqueles, sem diploma, eira ou beira, que chegou.

Cada cidadão que conserva suas raízes similares, ou ainda luta para implantá-las no solo difícil da economia globalizada, identifica-se com Lula e, para azar dos tucanos, aqueles são a maioria dos eleitores.

Para os que ainda não usam black tie, a agenda social de Lula foi mais eficaz e pertinente. Estes, vez por outra, sentem uma imensa vontade de esganar o PT e o Lula: desgostam-se com ambos, pois poderiam ter sido menos contumazes e mais cuidadosos.

Todavia, o espírito de corpo fala mais alto, e, como o Brasil ainda não tem dois estadistas como candidatos de segundo turno, a peleja acaba revelando a queda de braço entre dois brasis: os ricos, os que se acham ricos e os pobres.

A classe média, portanto, é que acaba decidindo a parada e, pelo andar da carruagem, resolveu tomar as dores de Lula.

Talvez tenha tomado esta atitude não por achar que ele tenha razão, mas por não ter aprovado o tratamento a ele dispensado pelos que se julgam donos da moral, da ética e da filosofia em geral.

O recente debate presidencial serviu para despertar o espírito de corpo daqueles que, há quatro anos, se identificaram com Lula.

Perguntaram-se, mais ou menos, o seguinte: com que direito Alckmin trata o Presidente da República desta forma mal educada? O que o faz afirmar que agiu assim porque traduziu a indignação do povo? De que povo ele está falando?

Alckmin errou ao mudar tão repentinamente de personalidade. Foi bizarro vê-lo distribuir bordoadas desniveladas com o único intuito de fazer o adversário sangrar: não teve o comportamento do estadista que pretenderia ser.

O resultado do equívoco, pelas razões já aventadas, foi o aumento das intenções de voto em Lula.

O tucanato, que há quatro anos vem estocando Lula a ferro e fogo, já deveria ter intuído que esta tática não lhe resolve o intento.

A imprensa já deveria ter compreendido que o tratamento que dá aos erros do PT e do Presidente, apenas desperta naqueles que se identificam com eles, a resolução de mantê-los.

Não se deve jamais alcovitar ou tratar com eufemismos os erros dos inquilinos da República, mas, ser tão parcial e preconceituosa no tratamento, como tem sido a imprensa com Lula nos quatro anos do seu mandato, é algo que realmente precisaria ser evitado.

Resenha partidária

resenha O PMDB há muito não tinha um candidato próprio. José Priante se ofereceu para retomar esta bandeira e ir à luta com ela.

Imaginou que aqueles que sempre reclamavam uma candidatura própria marchariam com ele sob este signo.

Encerrou-se o primeiro turno da eleição. O candidato do PMDB alcançou o terceiro lugar, com 14,01% dos votos válidos.

É prudente ao PMDB fazer algumas indagações ao espelho, para que a reflexão lhe sirva de norte sobre um futuro que, quiçá, tenha começado agora.

O percentual alcançado por Priante é o tamanho efetivo do PMDB no estado, desdizendo o mito de que o partido detém 30% do eleitorado paraense?

Em havendo um sim à resposta acima seremos remetidos a uma constatação angustiante, mas, partidariamente confortável.

A angústia se faz pelo fato de que o PMDB teria, nestes 12 anos de estio, encolhido pela metade no Pará.

O conforto: se este é, efetivamente, o tamanho do partido, ele marchou unido, o que é índice de subsistência e crescimento.

Há conforto, também, na ilação de que a partir de agora, o PMDB se deverá dispor às urnas com seus próprios quadros.

Mas, e se o PMDB for maior que o percentual obtido pelo seu candidato a governador? Afinal, a votação dos seus Deputados Federais foi praticamente o dobro do alcançado por Priante.

Neste caso, é imperativo constatar que o partido carece de substancia.

Em sendo desta forma, revela-se, ao cabo, que não estavam os peemedebistas a reclamar tão somente uma candidatura própria, mas imitavam Henry Ford, quando, ao perguntarem-lhe em que cores estava disponível o seu legendário modelo T, este respondeu que o veículo estava disponível em todas as cores desde que fosse preto: os peemedebistas queriam uma candidatura própria, desde que o candidato fosse Jader Barbalho.

Os três parágrafos anteriores também carregam conforto e angústia.

O conforto na constatação de que o partido, baseado na votação dos seus Deputados Federais, ainda detém os seus 30%.

A angústia por se concluir que, em não mais optando o seu líder por disputar o governo, todos os demais que se atirarem ao feito não poderão contar com o fervor dos combatentes nas trincheiras não tão bem alimentadas da lide.

Em qualquer das hipóteses, e apesar das teses, o PMDB tem o mérito de ter inaugurado um novo período na sua trajetória no Pará: ter candidaturas próprias nas eleições majoritárias.

Caso esta prática seja adotada, independente de viabilidade eventual ou não dos nomes apresentados, é provável que se venha a encontrar a opção que poderá fazer o partido crer que pode vencer.

Esta prática poderá culminar com a atitude correta de uma sigla partidária, que é avistar qualquer nome que raie da sua convenção, como um estandarte que deve ser conduzido à vitória.

A candidatura de Priante, independente das análises circunstanciais que possa merecer, teve o mérito de mostrar ao PMDB que jamais ele pode deixar de mostrar a sua cara e, desde já, aponta-lhe a perspectiva de preparar-se para 2008, quando deverá, novamente, apresentar-se com candidatura própria à Prefeitura de Belém.

Ética da imprensa

etica[2] O jornal O Liberou, em 08.09.06, deu um exemplo de como não se deve fazer jornalismo, demonstrou como se pode desprezar a moral e afirmou a capacidade que a imprensa tem de servir aos interesses escusos de quem a alcovita: em chamada de capa sentenciou que a Deputada Federal Ann Pontes era “a mais nova sanguessuga.”

A matéria correspondente não tinha a força condenatória da manchete e não condizia com a chamada da capa: tudo não passava de um ardil para imputar prejuízo político eleitoral à Deputada.

A própria matéria era inverídica, tendo como único fato a constatação, por parte do Tribunal de Contas da União, de irregularidades na execução de uma emenda da Deputada, à conta de prefeitura de Tucuruí, para a compra de ambulâncias.

Como compras de ambulâncias geraram o chamado escândalo das sanguessugas, O Liberal cunhou a vil chamada, com o dolo de estabelecer um nexo que nunca existiu.

A própria CPMI que apura os referido escândalo afastou a afirmação de O Liberal. O próprio TCU advertiu que, a priori, aquele nexo não pode ser estabelecido.

Emendas ao orçamento são prerrogativas legais de atuação parlamentar nos países democráticos e são os instrumentos mais eficazes para chamar a atenção do eleitorado, pois o público tem certa dificuldade para enxergar o trabalho essencialmente legislativo.

É legítimo que o parlamentar lute para inserir as mais diversas emendas enquanto se elabora o orçamento e, feito isto, envide esforços para fazer com que, efetivamente, os recursos assinados cheguem à conta bancária do órgão ao qual foi destinada.

O depósito do recurso é o final do trabalho parlamentar. Daí para frente, inicia-se a fase da execução da emenda, cuja exclusiva responsabilidade passa a ser do gestor do órgão que recebeu o recurso, que é responsável por todos os procedimentos legais cabíveis para fazer a obra ou prestar o serviço correspondente.

A fiscalização destes procedimentos é feita pelos tribunais de contas dos municípios, estados ou União, conforme seja o recurso municipal, estadual ou federal.

Não há irregularidades em emendas parlamentares, pois elas são meras disponibilidades de recursos.

O sistema administrativo nacional sequer confere às emendas parlamentares a característica impositiva, que obrigaria o Poder Executivo a cumpri-las, mas, tão somente, o caráter de autorização, ou seja, se o Executivo desejar, pode fazer.

As irregularidades podem ocorrer na execução das emendas, quando os gestores fazem as obras ou prestam os serviços, e estes são os responsáveis diretos pelas irregularidades por ventura cometidas.

No momento em que o valor da emenda é depositado na conta do órgão aquele passa a pertencer ao patrimônio financeiro deste, que, inclusive, já possui elemento de despesa no seu próprio orçamento para recepcioná-lo.

A priori, estender a irregularidade na execução da emenda ao parlamentar que a elaborou, é lógica de quem ignora completamente a dinâmica do Estado, ou pura maldade de quem se quer valer daqueles que não compreendem aquele mecanismo.

Portanto, cabe ao Prefeito de Tucuruí, aliás, adversário contumaz do grupo político ao qual pertence a Deputada Ann Pontes (fato que por si só já afasta qualquer envolvimento da mesma com a execução da emenda) explicar, ou responder, pelas supostas irregularidades apontadas pelo TCU.

Não obstante a imediata resposta da Deputada no dia seguinte, a maldade se consumou e o prejuízo pessoal e político se estabeleceu.

Mesmo o devido acionamento judicial cabível, não tem o condão do reparo imediato necessário.

É utópico reclamar ética de grupos de poder, sejam eles públicos ou privados.

Quando muito, estes ditos grupos procuram lesar o menos possível os seus respectivos códigos de condutas, erroneamente chamados de códigos de ética, pois que a ética não pode simplesmente ser capturada pelo direito positivo.

Não se deve, portanto, discutir ou querer a presença de ética na política ou ética na imprensa.

Pragmaticamente, para que a sociedade se possa valer da ética para construir os seus códigos de conduta, é necessário que se construa uma ética da política e uma ética da imprensa, para que se arrefeça o jogo bruto que estas duas condições emprestam a quem as maneja.

Embora em alguns casos eu ainda me veja, não mais que de repente, a me alinhar com Marx – como a maioria dos jovens da minha época, já fui comunista - não me alinho com Adorno, da Escola de Frankfurt, que vê na mídia moderna o verdadeiro Lúcifer da comunicação.

A mídia de massa, salvo alguns desvios de conduta, tem servido à democracia.

O que ocorre é que alguns escroques se valem dos meios de comunicação que amealharam, para serem absolutamente frankfurtianos na mais completa tradução de Adorno.

Não se deve condenar o estudo do átomo por causa da bomba atômica. Pela mesma lógica, não se deve condenar a mídia em função do completo desvio de conduta de alguns jornalistas ou de alguns jornais.

Os meios de comunicação de massa proporcionam a proliferação rápida e indiscriminada de informação. Nem sempre o que é veiculado corresponde à verdade dos fatos, mas, veiculada a notícia, o fato passa a ser de menor importância: a versão dada por quem o veiculou passa a ser o essencial.

A Ética da Imprensa, portanto, deveria ser a responsabilidade de não fazer julgamentos sumários, emitindo verdadeiras sentenças em forma de manchetes.

A imprensa deveria construir a sua conduta na sensibilidade de que a versão que empresta à informação pode servir à sociedade, se elaborada com responsabilidade, mas, pode destruir reputações, se cometida com aleivosias.

Impressões eleitorais

Pensamentos - Alexander Lyamkin É possível, como alegam alguns, que a pesquisa do IBOPE, publicada no domingo, seja uma elaboração casuística feita em municípios onde o candidato Almir Gabriel tem percentuais favoráveis.

Mas, digamos que os números, de fato, revelam o momento atual da eleição com razoável veracidade, para que possam ser feitas as observações pertinentes.

A surpresa primeira é a colocação do candidato Priante abaixo de Edmilson Rodrigues.

Como a margem de erro declarada pelo IBOPE é de 3%, é provável que Priante esteja acima de Edmilson, o que seria mais aceitável, devido a estrutura partidária do PMDB no Estado ser maior que a do PSOL.

Caso Priante esteja mesmo abaixo de Edmilson, deveria o PMDB começar a desconfiar que talvez a sua estrutura partidária não esteja sendo totalmente usada a favor do seu candidato, ou, pelo menos, não está tendo a eficácia devida.

Se isto estiver ocorrendo, deveria também o PMDB começar a pensar que não vale à pena ceder às conveniências locais somente para ter uma célula partidária em um determinado território, se, no momento em que a vaca tosse, estas conveniências falam mais alto que a tosse da vaca.

Todavia, em sendo a questão partidária mero detalhe, em um sistema político em que o partido é tão somente uma formalidade adjetiva, cabe uma constatação menos sistemática e mais eventual do resultado do IBOPE.

Em primeiro lugar é pouco prudente já apostar que a eleição para governador do Pará está liquidada em primeiro turno. É um fato, não obstante, que Almir Gabriel chegará ao segundo turno na pole position.

Tal posição se faz pelo aparato institucional de que dispõe tanto a nível estadual quanto municipal: a maioria absoluta dos prefeitos do Pará dá sustentação estrutural à candidatura tucana.

Isto, aliado ao fato de Almir ter sido governador por duas vezes, portanto um produto conhecido do eleitor, traduz-se no conforto relativo mostrado nesta primeira pesquisa.

Os demais candidatos com potencial de ida para o segundo turno, são Ana Júlia e Priante, mas, os dois, cometem um equívoco, seja por um modelo adotado de conduzir a campanha, ou por falta de recursos financeiros para prover estrutura capilar na imensa e difícil geografia do Pará.

O modelo, na verdade, está sendo adotado pelos três candidatos até então tidos como principais na disputa: tanto Almir, como Ana Júlia e Priante, adotaram as visitas relâmpago aos municípios, onde fazem caminhadas ou carreatas e, oportunamente, realizam reuniões.

Os grandes comícios, que eram acontecimentos políticos esperados, foram suprimidos em função, talvez, de os candidatos estarem com receio de ausência de audiência, devido à impossibilidade jurídica de contratar artistas.

Em sendo assim, o candidato chapa branca leva vantagem na disputa, pelo fato determinante de que quando ele parte, fica ao seu serviço toda a estrutura municipal que lhe empresta o prefeito, que não hesita em colocar os instrumentos institucionais para turbinar-lhe a candidatura.

Do outro lado, Ana Júlia e Priante, após os cumprimentos de praxe e os acenos de até mais ver, não estão deixando sequer alguém com um megafone e um tamborete para servir de palanque e gritar-lhes os nomes.

O PT, como ainda tem alguns derradeiros moicanos que se prestam a fazer campanha sem lenço ou documento, e mantém fidelidade às candidaturas da sigla, leva vantagem sobre Priante, pois o PMDB não está ainda vendo o porquê de subir no tamborete, com o megafone na mão, sem, pelo menos, um copo d’água à vista, para molhar a garganta.

Tanto ao PT, quanto ao PMDB falta estrutura financeira para colocar pequenos comandos a defender as suas cabeças de pontes da operação que o adversário prepara para tentar lograr vitória em primeiro turno.

Sem esta estrutura, também, eles não conseguem fazer uma campanha que avance no território que ainda não foi conquistado por ninguém, bem mostrado na pesquisa, quando ela se faz na modalidade espontânea.

Se a tática de Priante e Ana Júlia é resguardar recursos para um provável segundo turno, é preciso lembrar que é imperioso que seja inserido na tática a chegada até ele, e, para isto, a intendência deve ser providenciada.

Achar que o horário eleitoral gratuito poderá ter impacto significativo no resultado eleitoral, e apostar grande parte das fichas nele, pode ser coisa de marqueteiro para valorizar o cachê, mas não cabe na cabeça da metade do eleitorado paraense, que está fora do eixo tecnológico: este eleitorado quer ser conquistado à moda antiga.

Além do mais, não é cauto apostar muito no horário eleitoral: os tucanos também estarão nele, e sabem, por experiência acumulada não desprezível, jogar estas cartas.

Portanto, para resumir a ópera, ou os candidatos Ana Júlia e Priante deixam nos municípios algo mais que o suor da caminhada, provendo uma estrutura mínima aos que ficam, ou estarão propensos a perder uma ótima oportunidade de desbancar o tucanato.

A mesma lógica se aplica à eleição para o Senado.

Mario Couto faz campanha para o Senado, usando a estrutura da Presidência da Assembléia Legislativa, há dois anos. Com isto montou uma rede de sustentação eleitoral que o coloca na dianteira, mesmo sem ter consistência para estar lá.

Luiz Otávio, por sua vez, está metido na mesma dificuldade estrutural de não deixar o seu rastro depois que passa. Está a se valer somente da prerrogativa de ser conhecido, e da relutância do cidadão em eleger Mario Couto: o eleitor talvez esteja achando que merece algo diferente.

Há campo propício para o PMDB lograr êxito na eleição do Senado. É absolutamente viável levar a eleição para segundo turno, mas, com a música que está tocando, o boi não está conseguindo dançar.

Empresários das sombras

Regateo en Oregon - Thomas Benton A economia informal é assunto de uma interessante matéria, assinada por Mariza Louven, publicada em O Globo.

Os números da informalidade no Brasil, que haviam estagnado de 1999 a 2002, voltaram a crescer em 2003 e chegaram a R$600 bilhões em 2005. Tal grandeza gera riquezas equivalentes a um PIB de aproximadamente R$248 bilhões, ou US$102 bilhões.

Para que se tenha melhor idéia do que isto significa, a matéria faz um parâmetro do PIB gerado pela informalidade nacional, com o PIB do Egito (US$ 93 bilhões) e da Colômbia (US$ 98 bilhões). A economia informal no Brasil, portanto, é maior que o PIB do Egito e da Colômbia.

Há dois dados preocupantes nesta constatação: o sistema tributário nacional passa ao largo desta economia, nada arrecadando dela. A população que a gera, sem pagar absolutamente nada dos bilhões circulados, é usuária dos bens e serviços prestados pelo Governo, custeados por aqueles que não podem se esquivar ao pagamento de uma carga tributária estratosférica.

Há opiniões, de que a economia informal pode ser maior que a constatada pelo IBGE: o relatório Doing Business 2004, do Banco Mundial, estima em 39,8% a parcela informal da economia brasileira.

Calculado o PIB nacional, ele é praticamente 40% maior, se considerada a informalidade econômica praticada à margem do sistema: há um país, com um PIB equivalente à quase a metade do Brasil, vivendo dentro do Brasil. Este país não paga nenhum imposto sobre a atividade econômica direta que exerce.

A Receita Federal, na incapacidade de botar a mão nesta sombra, compensa o prejuízo em quem ela enxerga, aumentando a carga tributária sobre quem está à luz do sol.

Isto acaba se constituindo em um incentivo à sonegação: muitos que estão na economia formal fogem para a informalidade para escapar das garras do leão.

A solução para a questão é o obvio, mas de complicado manejo: mais crescimento, desregulamentação e menos imposto.

A carga tributária nacional, somadas as fomes das três esferas da federação, chegou a 40,69% do PIB em 2005.

O brasileiro que está na formalidade tributária, entrega 40,69% do que ganha para o governo, seja em forma de imposto direto, o que já lhe vem subtraído do salário, ou indireto, quando vai ao supermercado. 

No que tange aos salários, uma das fontes de receita mais seguras do sistema formal, a legislação trabalhista faz com que empregadores fujam da formalidade: 60% da força de trabalho do país, ou cerca de 48 milhões de pessoas, recebem os seus salários sem carteira assinada.

A fuga do empregador se justifica no peso da assinatura da carteira: se a empresa não estiver em um regime especial, os encargos trabalhistas e previdenciários correspondem a 103,46% da folha de pagamentos.

Estes empresários e trabalhadores informais, pelo movimento financeiro que geram, são uma força motriz valiosa e poderiam, caso entrassem na formalidade, compor o crescimento do PIB nacional em significativos percentuais.

O Brasil, todavia, não tem conseguido equacionar-lhes a entrada na formalidade: as condições são extremamente difíceis para nascer, sobreviver e crescer, quando se deve seguir o emaranhado burocrático do arcabouço jurídico nacional, que, a exceção de uma legislação especifica insuficiente, trata os desiguais com uma mesma norma.

O traço em que a economia informal se encontra, sem poder ter acesso às linhas de crédito formais para financiar o seu crescimento natural, acaba por jogá-la no colo de um outro sistema empresarial perverso e mais perigoso: o crime organizado, que, na linha de um governo paralelo, acaba se transformando no agente financeiro do empresariado das sombras.

O que os nossos candidatos a presidente têm a dizer sobre isto?

A sesta do PFL

Siesta, by Pete Tillak Antes existia a figura do observador eleitoral: uma espécie de delegado da Justiça Eleitoral, por esta destacado para zelar pela obediência da legislação nas convenções partidárias.

A assinatura do observador eleitoral na ata, era a chancela legal de que tudo o que estava lavrado correspondia à mais absoluta verdade.

Tudo, da escolha dos candidatos, às autorizações de coligações, era deliberado na data da lavratura da ata, até 30 de junho.

Depois desta data, os partidos se reuniam para formalizar, até o dia 05 de julho, o que havia sido deliberado na convenção.

O observador eleitoral, via de regra, era subornado pelos caciques dos partidos e assinava a ata do jeito, e na data, que estes quisessem. É claro que, não importando a data que de fato as deliberações ocorressem, a ata era sempre lavrada com a data fatal do dia 30 de junho, prescrita em lei.

A figura do observador eleitoral desapareceu. As convenções, sem as disputas partidárias, desestimuladas pela ausência de lideranças que contestem o poder central exercido pelo cacique, acabaram transformadas em atos puramente formais.

Mas a legislação continua estabelecendo como intervalo para que os partidos deliberem sobre candidaturas e coligações, o prazo de 10 a 30 de junho do ano em que se realizarem as eleições; e estipula que o dia 05 de julho é a data final para o pedido de registro de candidaturas e coligações formalizadas.

É costume nas convenções, ser usado o artifício de autorizar a executiva do partido a deliberar sobre coligações e até sobre candidaturas.

Dada esta autorização à executiva, lavra-se a ata da convenção e a executiva sai em campo, com a delegação de fechar acordos com outros partidos, fazendo coligações, pleiteando vagas de vices, senadores, suplentes, etc.

Não obstante a convenção partidária ter autoridade para delegar a tomada de deliberações à executiva, ela não tem autoridade para dilatar o prazo destas deliberações, pois este é previsto em lei como peremptório: 30 de junho.

É fato que as decisões, geralmente, ocorrem depois de 30 de junho. Mas, é imperativo legal que a ata deva ser lavrada com a data de 30 de junho.

A Justiça Eleitoral só vê o que é levado aos autos. Se a ata acostada a eles é datada de 30 de junho, é isto o que voga.

Preclui, portanto, à meia-noite do dia 30 de junho do ano das eleições, o direito de os partidos, seja pelas suas convenções, seja pelas executivas autorizadas por elas, deliberarem sobre candidaturas e coligações.

Como a vontade dos partidos, que são pessoas jurídicas, é dita através das suas atas, são destas que a Justiça Eleitoral se vale para saber que candidatos foram escolhidos e que coligações foram feitas ou autorizadas às respectivas executivas fazerem.

Os partidos, portanto, só podem deliberar, até o dia 30 de junho. Depois disto, o que ainda poderá ser feito é a formalização do que tenha sido deliberado até aquela data.

É comum uma ata posterior, datada entre 01 e 04 de junho, lavrada pelas executivas do partidos, ou de partidos em conjunto, formalizando situações, principalmente de coligações, que foram deliberadas até 30 de junho.

Em síntese: as executivas dos partidos, autorizadas, em convenções, a representá-los, podem deliberar por estas, mas, devem obedecer ao prazo legal, 30 de junho, para tomar as deliberações. Depois disto, só poderão formalizar o que foi deliberado no prazo legal.

Em Direito Eleitoral, a máxima jurídica de que o direito não protege os que dormem, é mais cruel: o direito eleitoral não protege os que piscam.

O Partido da Frente Liberal do Pará tirou uma ligeira sesta na sua convenção. Confundiu deliberação com formalização e corre o risco de protagonizar um episódio inédito na crônica política nacional: ficar sem candidatos nas eleições.

Ocorreu que a convenção do PFL-PA, abriu mão de deliberar sobre candidaturas e coligações, e deliberou somente que a executiva do partido estava autorizada a tomar todas as decisões para colocar o partido nas eleições deste ano. Até aí nada de errado ou ilegal.

A executiva do PFL-PA, todavia, ao invés de atentar para o prazo deliberativo de 30 de junho, resolveu que só o faria em 03 de julho, quando, lavrou, com esta data, na sua ata, as suas deliberações sobre candidaturas e coligações.

O PFL-PA, portanto, deliberou intempestivamente, quando o seu direito de fazê-lo já estava precluso, ou seja, a deliberação do PFL-PA não tem valor jurídico algum: é letra morta.

O efeito jurídico devastador deste cochilo é que o PFL-PA, poderá ficar sem candidatos na eleição deste ano e o PSDB, que requereu o registro da sua coligação, tendo como candidata a vice-governadora, uma filiada do PFL, será compelido a escolher outro vice dentre os demais partidos coligados.

Estas razões, robustamente fundamentadas no arcabouço jurídico institucional da Justiça Eleitoral pátria, inclusive com julgados procedentes em casos concretos pretéritos, foram argüidas em impugnação feita pelo PMDB-PA, à pretensão do PFL-PA em registrar as suas candidaturas e coligações.

O Tribunal Eleitoral do Pará será o palco e o juiz destas razões, que prometem, seja qual for a decisão daqui, serem remetidas, pela parte vencida, à instância superior, ou seja, Brasília.

Parece ser carma dos tucanos e pefelistas, fazerem campanhas sob o brocardo jurídico do sub judici.

Mas não serão os únicos. Estas eleições, ao final, já são aquelas que mais impugnações de candidaturas foram argüidas à Justiça Eleitoral: a festa dos advogados que militam nesta seara.

Financiamento público

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O Presidente da República cogitou que a reforma política será prioridade em seu próximo governo, caso ele logre êxito nesta eleição.

Já há um projeto de reforma política em fogo brando no parlamento. O fogo sobe ou desce conforme a conveniência dos donos do fogão.

Um dos pontos polêmicos da reforma é o financiamento público de campanha, que caso já fosse a regra nas eleições de 2006, a União despenderia cerca de R$ 800 milhões para custear o preenchimento das cadeiras das Assembleias Legislativas, Câmara, Senado Federal e Presidente da República.

As campanhas políticas custam bem mais do que a maioria dos candidatos declaram e a Justiça Eleitoral finge acreditar. A diferença da conta é a medida exata da hipocrisia que acalenta o sistema de financiamento atual.

No atual sistema, o candidato sai em busca de financiamento privado. A sua capacidade de arrecadação é proporcional ao seu potencial de sucesso, ou às articulações de poder econômico-financeiro que possui.

Neste contexto, as campanhas são uma corrida desigual. É como soltar no oceano uns com botes e outros a nado, e ver quem chega primeiro no continente.

As empresas não doam dinheiro para candidatos: elas emprestam para receber de volta com as devidas atualizações, através de obras ou serviços que o candidato deve arrumar, com as devidas fraudes e direcionamentos nos processos licitatórios. O sistema de financiamento atual, portanto, conduz à corrupção.

O financiamento privado de campanha é um investimento de risco e por isto tem um preço de retorno inflacionado: quem investe dez quer de volta cem, pois, pode perder tudo.

Na dúvida, há aqueles que atiram para todos os lados. Não é incomum ver empresas aparecendo como doadores de recursos para candidatos de opostos vieses, e como grande parte das empresas tem caixa dois, a maior parte das doações dali saem para o caixa dois dos candidatos.

O candidato, no desespero da campanha, aceita a agiotagem. Por isto, Charles de Gaulle disse que uma das virtudes do estadista é a ingratidão, pois se ele cumprir tudo o que prometeu na liça, quebra o Estado e perde a cabeça.

Resulta do atual modelo a presença cada vez maior do poder econômico, a ponto de o Estado estar aparelhado por grupos de poder econômico que financiam a “democracia”.

Há um outro agravante no sistema de financiamento privado, mormente no Brasil, cujo sistema de combate ao crime organizado é incipiente: o crime organizado financia campanhas políticas. Há muito dinheiro ilícito nas campanhas, e isto, sobremaneira, reforça a atividade criminosa.

O financiamento público seria uma forma de tornar o processo eleitoral menos injusto e mais transparente: saber-se-ia exatamente quanto o partido estaria dispondo e só daquilo ele poderia dispor, e Justiça Eleitoral poderia, de forma mais efetiva, punir aquele que porventura estivesse gastando além do recebido.

A disputa seria menos desigual. Menos provável seria o uso da máquina administrativa por parte daqueles que as têm.

O argumento defendido pelos que são contra o financiamento público, é que o Brasil não pode financiar campanhas quando falta saúde, educação e saneamento: este é o argumento dos inocentes, o que é cálido, ou dos hipócritas, o que é cínico.

Tudo o que se gasta nas campanhas já é público: ou sai dos caixas dois que os governos conseguem fazer, através de conluios com as empresas, ou é fruto da agiotagem eleitoral que é o empréstimo, camuflado de doação, para pagar quando ganhar.

A nação é a única provedora do Estado. É necessário que o cidadão saiba o preço de tudo aquilo que paga. Quanto mais souber o custo da democracia, mais valor dará a ela.

O financiamento público tornaria legal o que já é fato, tiraria do mau político o argumento da extorsão da coisa pública como forma de auto financiamento, e baixaria o custo das campanhas, que a cada eleição são cada vez mais caras.

Mas o financiamento público só pode ser adotado se com ele vier o sistema de listas fechadas, onde, ao invés de se votar em candidatos, o eleitor votaria em um partido. Este silogismo se fecharia com o fortalecimento do sistema democrático, que se consolidaria com a força das estruturas partidárias.

Há também, os defensores do sistema misto, no qual haveria um valor básico fornecido pelo Estado, e os candidatos, ou partidos, poderiam buscar financiamento privado para complementar a campanha, o que, ao meu ver, é chover no chão molhado do sistema atual.

O financiamento misto, todavia, é o sistema mais usado nos países da América Latina. Somente o Brasil, Venezuela, Bolívia, Chile, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Uruguai,  possuem financiamento privado. O Peru somente o público. Os demais países adotam o sistema misto.

Os EUA, uma democracia consolidada e relativamente eficaz, usa o sistema misto, com uma particularidade: o candidato escolhe se quer ser financiado pelo Estado ou quer angariar fundos privados. Uma vez escolhido um tipo de financiamento, ele não poderá receber de outro durante aquela eleição.

O Brasil já descobriu que precisa mudar certos comportamentos para cumprir o seu futuro de país desenvolvido. A reforma política é um elemento primordial para queimar esta etapa.

É uma pena que o eleitor venha a perder nesta eleição, que talvez seja tomada pela discussão de quem é  o menos corrupto e o mais providente, a oportunidade de discutir a reforma política com o seu candidato, cobrando dele posições sobre o tema.

Voto distrital

urna[1] Em recente pesquisa nacional foi perguntado ao eleitor em que candidato a Deputado ele havia votado. A maioria não lembrou.

A enxurrada de candidatos nas eleições proporcionais, e a possibilidade de todos serem votados em todo o Estado a que pertencem os seus respectivos domicílios eleitorais, não cria vínculo de relacionamento político com o eleitor.

A implantação do voto distrital seria o propulsor de uma verdadeira reforma política e produziria reflexos substanciais na forma como seria composto o parlamento.

O voto distrital aumentaria o poder de fiscalização dos eleitores sobre os representantes, pois, cada distrito passaria a ter um representante no parlamento e, caso este não correspondesse aos anseios dos eleitores daquele distrito, dificilmente se reelegeria, pois não poderia concorrer por outro distrito.

Pelo atual sistema, o voto é proporcional. Um deputado pode se eleger com votos de qualquer lugar do seu estado. O que determina quantas cadeiras cada partido terá é a soma da votação de legenda e da votação nominal dos candidatos do partido. Os mais votados ocupam as vagas.

No sistema distrital puro, cada estado é dividido em um número de distritos equivalente ao de cadeiras no Legislativo. Os partidos apresentam seus candidatos e ganha o mais votado em cada distrito. A condição básica para dividir o mapa é que cada área tenha um número equivalente de eleitores.

Há também os simpatizantes do voto distrital misto. Neste sistema, os estados são divididos num número de distritos equivalente à metade do número de vagas no Legislativo. Metade dos deputados é eleita pelos distritos e metade por listas de candidatos feitas pelos partidos. As listas são definidas nas convenções partidárias.

Quanto mais votos de legenda um partido tiver, mais vagas poderão preencher com os candidatos eleitos pelos distritos. Se eles forem insuficientes para preencher todas as vagas, estas serão preenchidas pela lista.

Em um rápido estudo comparado, podemos notar que a maioria das democracias adota o voto distrital puro, ou misto.

Na Alemanha o sistema é o misto. Os deputados são eleitos pelos distritos, onde ganha o mais votado. Os eleitores também votam em listas partidárias. O voto na legenda serve para calcular o espaço a que cada partido terá direito no Parlamento. Se um partido eleger 30 deputados nos distritos, mas só tiver 25 cadeiras asseguradas com o voto de legenda, o Parlamento cresce para abrigar os outros 5. Se o número de eleitos pelos distritos for inferior, as cadeiras são preenchidas com nomes das listas dos partidos.

Na Itália, até 1993, o voto era proporcional, como no Brasil. Foi feita uma reforma que adotou modelo semelhante ao alemão. A diferença está nas listas dos partidos. Na Alemanha, há uma lista nacional para cada partido. Na Itália, há uma lista para cada uma das 26 circunscrições em que os distritos são organizados.

Nos Estados Unidos a Câmara dos Representantes possui 435 membros, escolhidos pelo sistema distrital puro. Cada distrito elege um deputado por maioria simples. Os parlamentares têm mandato de dois anos.

No Reino Unido os 651 membros do Parlamento britânico são eleitos por voto distrital puro, como nos Estados Unidos. A diferença é que o mandato é de 5 anos e pode ser interrompido se o primeiro-ministro convocar eleições.

Na França o voto é distrital puro, mas há dois turnos na eleição dos deputados. No primeiro, ganha quem conseguir mais da metade dos votos, desde que a votação seja equivalente a pelo menos 25% do eleitorado inscrito. No segundo turno, só concorre quem teve pelo menos 10% dos votos no primeiro e ganha o mais votado.

O nosso atual sistema de preenchimento parlamentar conduz ao enfraquecimento dos partidos políticos e ao reforço da atuação individual, pois os candidatos são procurados entre personalidades e entre representantes de categorias e grupos sociais. A maioria é independente dos próprios partidos que integram, pois se julgam donos dos votos que obtiveram.

Esta excessiva personalização do voto conduz à pulverização dos partidos, com o surgimento dos chamados partidos nanicos.

No atual sistema proporcional ocorre uma peculiaridade curiosa: os partidos são muito heterogêneos e o voto dado a um candidato de preferência do eleitor acaba ajudando a eleger outro de perfil político oposto.

No sistema atual, enfim, não há uma ligação entre o eleitor e o seu representante no sentido de uma cobrança de desempenho e soluções.

O Brasil já adotou o sistema de voto distrital duas vezes: durante o Império e a República Velha.

No fim do regime militar, uma emenda constitucional ressuscitou a idéia, estabelecendo o voto distrital misto para as eleições legislativas, mas foi revogada antes que o sistema pudesse ser testado na prática.

A experiência com o sistema, todavia, não permite comparações com as regras atuais, porque ele só foi usado em épocas em que as eleições eram decididas pelos coronéis. O voto era marcado. O eleitor já recebia a chapa votada.

Em 1982, uma comissão do Ministério da Justiça conseguiu aprovar a Emenda Constitucional 22, estabelecendo o voto distrital misto. Mas a emenda foi revogada sem ser aplicada.

A mudança substancial do modo de escolha eleitoral sempre enfrenta considerável oposição, porque os responsáveis pela sua implantação, os detentores de mandatos, têm sido eleitos através das fórmulas eleitorais vigentes, conseqüentemente é duvidoso o interesse em alterá-las.