29 de out. de 2007

Certo por linhas tortas

certotorto[1]

O Supremo Tribunal Federal, como já visto por ocasião do julgamento da fidelidade partidária, extrapolou a sua missão constitucional e legislou.

Ao escrever a tese que fundamenta a ementa que culmina a sanção de perda de mandato ao político infiel, o STF errou no objeto: deveria, para tornar o seu sofisma menos inconseqüente, apenas punir a infidelidade com a perda do mandato.

Ao declarar que o mandato pertence ao partido pelo qual o infiel se elegeu, o STF lavrou um absurdo que não tem sustentação lógica.

Poder-se-ia dizer que o STF escreveu certo por linhas tortas e, agora, por estas tortas linhas deverá seguir a conversa enquanto o Congresso Nacional não se prestar a fazer a reforma política que a República reclama.

O Tribunal Superior Eleitoral foi a primeira vítima do sofisma do Supremo Tribunal quando por este foi encarregado de confeccionar a resolução que regulamenta os casos que estão sujeitos ao processo de perda de mandato por infidelidade partidária, e como será o procedimento judicial para tal.

Não deu conta, o TSE, de desamarrar o nó górdio ao qual foi submetido e resolveu, à exemplo de Alexandre, o Grande, decepá-lo com a espada.

Ora, se foi declarado, pelo Supremo Tribunal, que o mandato é do partido, seria imperativo, por lógica elementar, que este continuasse a detê-lo, caso o inquilino do mesmo fosse despejado por infidelidade.

Emerge como corolário da ementa do STF a seguinte verdade: se um determinado partido tem um deputado no parlamento e este dele se desliga, imediatamente outro político, do mesmo partido, assumiria o mandato.

O TSE, ao responder consulta, estendeu o entendimento de que o mandato dos membros do executivo e dos senadores também pertence ao partido.

Neste caso, se um prefeito, governador ou senador desligar-se do seu partido, outro político, do mesmo partido, deverá assumir o mandato.

Seria perfeito se fosse assim aplicável, mas, é impraticável fazer-se fato a ementa do STF.

O TSE não deu conta de distorcer o rabo da porca: simplesmente, na resolução que emitiu, disse que assume o 1° suplente no caso de parlamentares e o vice no caso de prefeitos, governadores e até presidentes infiéis.

Aí está, portanto, a confissão do sofisma em que se viram os tribunais quando se meteram a legislar: em um sistema em que são permitidas coligações, nem sempre os suplentes, de qualquer categoria, pertencem ao mesmo partido do titular.

No caso de prefeitos, governadores e presidentes, é quase certo que os vices são de partidos diferentes daqueles dos titulares dos cargos.

Portanto, no momento em que um prefeito infiel, por exemplo, deixar o partido e perder o mandato por isto, pela resolução do TSE assumirá o vice, e, se este for de outro partido, fica por isto mesmo.

Então, dissolver-se-á o fundamento lógico da ementa do Supremo Tribunal Federal de que o mandato pertence ao partido e este poderá recorrer ao Supremo Tribunal sob a alegação de que a decisão maior não foi cumprida.

Em se provendo o recurso, o STF determinará o quê? Mandará o prefeito que perdeu o mandato por infidelidade voltar ao cargo porque o vice é de outro partido? Mas ele tinha que perder o mandato porque foi infiel...

Deixará o vice no cargo mesmo em ele sendo de outro partido? Mas o mandato não pertence ao partido ao qual se filiava o titular?

Ao chegar tal fato, tanto de proporcionais quanto de majoritários, no supremo dos tribunais, espera-se que o Poder Legislativo já tenha resolvido cumprir com a obrigação que o Judiciário lhe usurpou e tenha feito a reforma política ainda que tardia.

Ou, continuarão os tribunais, com o paradoxo já demonstrado, ferindo o princípio basilar sobre o qual foi, e continua sendo, construído todo o arcabouço jurídico doutrinário da humanidade: a lógica pura.

8 de out. de 2007

Tábua de salvação

Escapando da crítica - Pere Borrell del Caso

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico ido em 4 de setembro de 2007, albergou o juízo do Tribunal Superior Eleitoral de que o mandato pertence ao partido político e não ao candidato eleito.

Com tal declaração, emanada em construção de lógica estrita por 7 dos Ministros, embora, talvez, sem resistência silogística ampla, o STF inculcou no direito positivo brasileiro a fidelidade partidária, sobre a qual a Carta Magna calou e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos tergiversou.

A verdade jurídica é que tanto o TSE quanto o STF fizeram engenharia reversa para declarar o que o Poder Legislativo já deveria ter feito há tempos: os dois tribunais viram a necessidade de por ordem à balburdia partidária imbricada no Brasil, sentiram que a nação desejava este basta e partiram, do resultado que tiveram, para construir, de ré, a tese que deveriam montar.

Fizeram isto com competência absoluta: os três ministros que não acolheram a tese não foram capazes de destroçá-la com as suas respectivas antíteses.

Não obstante, embora pudessem ter sido mais competentes para demonstrar o sofisma aos olhos do direito positivo pátrio, os ministros discordantes não teriam sucesso nem que encarnassem Descartes, Tomás de Aquino e Kelsen: o STF já havia decidido antes de entrar no Plenário.

A decisão do STF, dois dias antes do veredicto era mais radical: os sete ministros estavam escrevendo os seus votos a partir da conclusão de que o mandato pertencia ao partido e que isto era uma imposição jurídica desde 1995, quando entrou em vigor a Lei Orgânica dos Partidos Políticos.

Por isto, a decisão máxima não poderia cogitar a hipótese ex nunc e sim a certeza do ex tunc.

No jargão jurídico isto queria dizer que a decisão não valeria só dali para frente e sim desde 1995, ou seja, todos os políticos com cargo proporcional que mudaram de partido nesta legislatura perderiam o mandato automaticamente ao ser deferida a segurança requerida.

Foi aí que o Governo, juntamente com a Câmara de Deputados, agarraram-se para somar forças e aquebrantar a decisão do STF. Aquele perderia cerca de 40 deputados na base de sustentação, esta poderia ter que enfrentar um motim de significativa quantia de seus pares.

O Presidente da Câmara, acossado pelo líder do PR e aconselhado pelo Presidente do PMDB, Michel Temer, montou uma força tarefa para encurralar o STF. O ex-ministro da Corte, Nelson Jobim, foi acionado.

Na antevéspera do julgamento a Presidente do STF recebeu o estado maior da coalizão, que lhe admoestou da crise institucional que se avizinhava, com a Câmara disposta a não dar cumprimento à segurança da Corte, caso deferida da forma radical que estava a ser produzida.

A Presidente do STF não quis comprar a briga: reuniu os ministros e sugeriu algo mais brando, ao que reagiram, de imediato, os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto.

A tábua de salvação veio do mais antigo, e um dos mais sábios: o Ministro Celso Melo, que encontrou a orientação de, em nome do princípio da segurança jurídica, abrir uma janela de meio termo e dar efeito ex nunc à decisão, a partir da publicação do parecer do TSE sobre o assunto, em 27 de março de 2007, já que o próprio STF, em decisão anterior, já houvera negado segurança a mandado similar.

Consta que Marco Aurélio refusou a tese com o argumento, verdadeiro, de que não era legal estribar a segurança jurídica na decisão alentada, pois que esta fora ementada antes de 1995 e, portanto, sepultada pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos.

Ante os apelos da Presidente e os resmungos de Peluzo, o mais indignado com a clara interferência dos dois outros poderes na Corte Suprema, ficou acordado que aquela era a única solução possível para evitar a crise.

Marco Aurélio foi convencido a não contestar o princípio ex nunc que seria iniciado por Celso Melo, ou o STF teria que vencê-lo pela força dos votos e não pela argumentação jurídica, que de fato não havia contra a sua observação.

Neste clima foram os juízes supremos do Brasil para o Plenário, já com a decisão firmada de arrostar os políticos com a fidelidade partidária, mas sem encostá-los demasiadamente à parede, deixando uma saída que não alcançaria a todos.

Assim, na mediação do nem tanto porém não tão pouco, a linha divisória de 27.03.2007 apanhou menos do que queria o STF e mais do que desejaria o Governo e a Câmara juntos.

1 de out. de 2007

As vinhas da ira

Retirantes - Portinari

A Califórnia, já pertenceu ao México e suas terras aos mexicanos. Uma horda de americanos a assaltou.

Tal era a fome daqueles homens por terra que eles tomaram as terras dos Guerrero e dos Sutter, maiores proprietários da então Califórnia mexicana.

Os mexicanos eram fracos e subalimentados e não puderam resistir. Algumas propriedades cresceram tanto na mão de um só dono que ele não mais podia cuidar delas sozinho: contratava capatazes, cuja missão era fazer com que os mexicanos trabalhassem na terra até a exaustão.

Ao final da semana os capatazes pagavam os trabalhadores e lhes vendiam alimentos.

Como o valor do que os empregados comiam era maior do que o pagamento que recebiam, quando terminava a empreitada o empregado estava sem trabalho, sem dinheiro e ainda devia ao patrão.

Steinbeck narrou assim parte da epopéia americana no  início do século XX, na sua ficção histórica, “As vinhas da ira”.

É em situação mais ou menos análoga que parte dos trabalhadores rurais no Pará vive nas mãos de alguns setores do agro business.

Ilustrou o quadro dito o recente episódio da PAGRISA, que acabou se tornando uma queda de braço entre o Ministério do Trabalho e grupos de parlamentares paraenses e Senadores da República.

Os Deputados Estaduais e Senadores, após visita  local à fazenda da empresa, emitiram parecer que a isenta dos supostos fatos encontrados pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho.

Já os fiscais do Ministério do Trabalho, atuaram a empresa por flagrarem a mesma dispensando tratamento análogo ao trabalho escravo aos seus funcionários.

Dentre outras constatações, o relatório do Grupo Móvel aponta que encontrou na fazenda alojamentos superlotados, esgoto à céu aberto, banheiros sem descarga, bebedouros que não funcionavam e indícios de que os empregados não utilizavam equipamentos de proteção durante o corte de cana-de-açúcar.

Constatou também a exposição de trabalhadores a jornadas de 14 horas e transporte inadequado, com ônibus sem cadeiras.

No relatório também constam relatos de empregados denunciando a falta de qualidade da água e da alimentação, que, segundo eles, era azeda e, em função disto, eram freqüentes as infecções intestinais.

Neste ponto, diz o relatório, que a própria PAGRISA reconhece que no mês de junho, 38 trabalhadores foram registrados com sintomas de diarréia que poderiam estar relacionados à alimentação.

Uma das características do trabalho análogo ao escravo, também, segundo o relatório, foi encontrada na fiscalização: a servidão por dívida.

Como é praxe nesta relação de trabalho, os trabalhadores tinham descontado do salário a aquisição de remédios e alimentos, o que, dentro das normas legais, não seria problema, mas, havia casos de ágio de mais de 100% em relação ao preço dos medicamentos.

O relatório cita ainda, pelo menos 31 trabalhadores com contracheques zerados no mês de abril, e ainda outros com valores que não chegavam a R$10,00, o que demonstra a prática da servidão objetiva, prevista no Código Penal Brasileiro.

É possível às empresas que exploram as atividades agropecuárias se enquadrarem perfeitamente à legislação trabalhista em vigor, sem abrirem mão da produtividade.

Só precisam para tal, entenderem que a responsabilidade social é um componente dos seus custos.

Se este custo tiver efeito na majoração do preço, influenciando na competitividade do produto, que diminuam o lucro: eu não conheço nenhum senhor do agro business andando de bicicleta.