26 de fev. de 2007

Crescer e aparecer

crescimento[2]

Ao assumir a Presidência Lula cunhou um termo que o perseguiria durante todo o primeiro mandato: prometeu um "espetáculo de crescimento".

O espetáculo não se fez. O crescimento anunciado foi, todavia, perseguido: Lula preparou, dentre outras, a Reforma Tributária e da Previdência.

Nesta última, teve que ceder ao lobby dos militares e funcionários públicos, e viu parte do que foi aprovado barrado por medidas judiciais.

Buscando o crescimento, Lula deu estabilidade financeira ao Brasil: aumentou o superávit primário e concedeu autonomia ao Banco Central.

O espetáculo se inviabilizou ao não se conseguir, no bojo da Reforma Tributária, um acordo fiscal com os Estados: tudo o que Lula colheu nas rodadas de negociações foi a desoneração das exportações.

Os governadores negociaram olhando somente os seus umbigos. A Federação respondeu com a única arma que poderia lançar mão para se financiar: o aumento da carga tributária, que está hoje em 37% do PIB, o que tange grande parte da economia para a informalidade.

Diante desta realidade, Lula tentou uma sub-rotina no sistema que caçava: anunciou as Parcerias Público Privadas.

As PPPs prometiam injetar R$35 bilhões na economia, mas, uma vez mais, o governo se viu vítima de suas idiossincrasias: quase dois anos para aprovar a legislação pertinente.

Depois de aprovadas, as PPPs não se consumaram: o empresariado nacional não tem a cultura de contrair dívidas para oferecer serviços públicos. Se o governo lhes der tudo de graça e ainda pagar os serviços até que alguns topam fazer o favor de tomar conta.

Em suma, Lula não conseguiu o anunciado e amargou a frustração de ver o Brasil crescer uma média de 2,6%, enquanto outros emergentes, como China e Índia vêm crescendo a taxas de 10% há uma década, embora por lá a cor da seda seja outra.

O Brasil chegou a uma encruzilhada: ou aumenta a sua infra-estrutura ou não poderá digerir o que está sendo posto à mesa: os portos e estradas não conseguem escoar o que se produz e o fantasma da falta de energia em um futuro próximo, coloca de molho as barbas dos fazedores de PIB.

Diante disto, Lula reprisa o espetáculo do desenvolvimento que não veio com um novo arranjo: O Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC, que prevê investimentos públicos de R$500 bilhões até 2010.

Segundo o governo o PAC fará o Brasil crescer 5% nos três anos a partir de 2008 e 4,5% já em 2007: o mercado, escaldado pelo fiasco da primeira missiva, está cético.

O governo, para calçar credibilidade ao plano, não deveria ter prometido 4,5% de crescimento já para este ano, pois, grande parte dos investimentos é composta de projetos de infra-estrutura que, no Brasil, costumam demorar anos para sair do papel, além do que, o PAC tem interface complexa quando prevê projetos específicos a serem executados por estados e municípios.

Mesmo que, ao cabo, os números prometidos não se revelem factíveis na prática, o PAC já terá sido um sucesso se viabilizar investimentos em duas frentes imprescindíveis para amortizar duas enormes dívidas sociais do Brasil: saneamento básico e habitação.

Não devo acreditar que Lula, com a história que tem e as vitórias que conseguiu, deixe o Planalto sem ter dado uma resposta indiscutível a estas duas questões, que, caso sistematizadas, prepararão o Brasil para o desenvolvimento perseguido.

19 de fev. de 2007

Inclusão digital?

shot011

Nicolas Negroponte, um dos fundadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o renomado MIT, da Universidade de Harvard, é um papa da tecnologia, por isto, suas opiniões a respeito do tema devem ser apreciadas.

Negroponte resolveu ser o guru da inclusão digital, ao propor o projeto “Um laptop para cada criança”.

A peça de resistência do projeto é um PC portátil, cujo custo será 100 dólares, e deverá ser distribuído para crianças do terceiro mundo para ser um elemento na luta contra a exclusão digital.

O Brasil entusiasmou-se com ideia e pretende ser um dos maiores compradores das engenhocas.

Ouso discordar do método, pertinência e oportunidade do projeto de Negroponte, assim como enxergar como lamentável a precipitação do Brasil em aderir a ele: se levada a cabo esta empreitada, o resultado prático será um enorme fiasco.

Não precisaria Negroponte gastar neurônios para fazer um PC de 100 dólares: o mundo tem milhões deles, mas, ninguém mais quer usá-los, pois estão ultrapassados e não comportam o peso dos softwares atuais.

A engenhoca idealizada por Negroponte, tecnicamente, não pode ser chamada de PC: é apenas um terminal que entrega informações a serem acessadas na rede e esta ainda não chegou aos locais onde está a maior parte da clientela do projeto de Negroponte.

Mesmo que estas máquinas sejam conectadas, o acesso ao conteúdo será pesado para a capacidade de processamento delas: isto frustrará o possuidor, que acabará usando-a tão somente para brincar de joguinhos da década de 80.

Como a usabilidade e utilidade da dita máquina, por suas limitações, será frustrante, ela tenderá a ser abandonada em poucos meses de uso, interrompendo o que se desejaria dela. Dever-se-á, também, esperar um estoque enorme de máquinas defeituosas no primeiro ano de uso.

As razões acima me fazem, infelizmente, apostar que o projeto está fadado ao insucesso: o laptop de Negroponte é um lamentável equívoco.

Michel Dell, o  bilionário dono da Dell, uma das maiores fabricantes de PCs do mundo, foi corretíssimo quando estocou a ideia de Negroponte: “se você pudesse oferecer algo às pessoas do terceiro mundo, acredita que é de computador que elas mais precisam? Será que não necessitam mais de água tratada e remédios?”

12 de fev. de 2007

As luzes da cidade

camelos[1]

Victor Hugo, em "O Corcunda de Notredame", conta que os subterrâneos da Paris de sua época, eram morada de trabalhadores sem teto, imigrantes sem sorte, mendigos, aleijados, charlatões e tudo o mais que a sociedade humana produziu fora dos padrões estóicos da república idealizada por Platão.

Belém está cada vez mais se parecendo com os subterrâneos de Paris, como narrados no romance de Victor Hugo: só que aqui a obra se escreve nas calçadas.

Não se pode mais andar pelas calçadas de Belém. Os ambulantes tomam conta de tudo, por falta de ação da prefeitura em organizar o espaço urbano, com uma solução que não lhes tire a condição de trabalho.

Há ainda a disputa de espaço e de moedas pelos peculiares flanelinhas: há pontos em que se acumulam mais flanelinhas do que carros.

Em cada esquina ou sinal de Belém há um mendigo a serpentear temerariamente no meio dos carros que param: tem até pedinte com ajudante de ordens, que se apossam das esquinas mais movimentadas, e se fazem proprietários delas.

Ao final do dia de trabalho, não é raro ver veículos particulares, alguns até bastante caros para a atividade, recolhendo os pedintes ou os vendedores das esquinas.

De vez em quando aparecem as vendas de medalhas bentas: para-se no sinal e o vendedor apressa-se em oferecer uma, atestando que a mesma acaba de receber as bênçãos divinas através do seu representante na terra, e aquilo só custa um real.

Um dia deixei de comprar uma e fiquei com a leve impressão, por uns cinco minutos, que Deus ia me castigar.

Tem também os malabaristas de todo o gênero: outro dia eu apreciei uma luta de facões árabes, com direito a faíscas e tudo: dei um real.

Quando o número é aquele que um sobe no cangote do outro para rodopiar bolas pelo ar, eu prefiro dar um real ao que agüentou o peso do malabarista nos ombros.

Como fazer caridade custa dinheiro, eu tenho um limite diário: R$5.00.

Mas não é só plagiando Victor Hugo que vive Belém: Machado de Assis se inspirou por aqui para escrever O Alienista.

Loucos de todo o gênero perambulam pela cidade.

Outro dia eu descia a Riachuelo e de repente vi a minha frente alguém dobrando a esquina, correndo, um volante de carro na mão.

Ele avançou, girando o volante como o faria um motorista. Parou entre eu e o carro da frente. Fez um movimento com a mão como a colocar a alavanca de câmbio em ponto morto.

Observei que as suas costas havia uma placa de carro pendurada. Quando o carro da frente avançou ele engatou uma primeira no ar, voltou a mão ao volante e arrancou.

A platéia ria animada. A tragédia, afinal, nada mais é que uma comédia nua.

No final da rua, em uma parede com milhares de propagandas sobre os mais diversos gêneros, sobressaia-se um outdoor com a foto de um rapaz de cabeça raspada e todo sujo. A escola que ele estudou patrocinou a peça, dizendo que ele houvera passado em primeiro lugar no vestibular: em Belém, eu já vi até convite para missa de sétimo dia, em outdoor.

5 de fev. de 2007

Quimeras ambientais

motoserra[1]

Na sexta-feira, a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reuniu-se, com o Presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Na pauta, a discussão da criação de linhas de crédito que financiem atividades nos distritos florestais sustentáveis e concessões de manejo florestal.

Uma das propostas discutidas no encontro é uma linha de financiamento para iniciativas dentro do futuro Distrito Florestal Sustentável do Pólo do Carajás, a ser criado no primeiro semestre deste ano.

O dito distrito tem um grave passivo ambiental: o Pólo Siderúrgico do Carajás consome, por ano, 14 milhões de m³ de lenha para carvão vegetal – boa parte oriunda de desmatamento.

A questão ambiental vem, a cada dia, ganhando mais espaço na mídia. Isto não ameniza o problema, mas é um forte elemento de sensibilização da opinião pública, que ainda não enxerga a questão com a gravidade que ela merece ser vista.

Os números do passivo ambiental que se está formando no Pólo Siderúrgico Carajás remetem a uma constatação que há muito vem sendo teclada: a degradação ambiental tem financiado o ecologicamente oneroso "desenvolvimento" do Sul do Pará.

Primeiro foram as castanheiras que cederam lugar ao pasto. Agora, a mata bruta transforma-se em carvão para alimentar a fornalha das siderúrgicas.

Nesta conjuntura, e da forma como se vêm elaborando estas linhas de financiamento, será uma quimera o que imaginam a Ministra do Meio Ambiente e o Presidente do BNDES: à lógica da iniciativa privada não interessa repor floresta e sim jogá-la abaixo.

Portanto, se o Governo Federal quer repor 1 milhão de hectare dentro do distrito Carajás, que arregace as mangas e faça o serviço ele mesmo, ou não haverá este amanhã perseguido na sexta-feira.

Eu não conheço plano de reflorestamento implementado pela iniciativa privada, que, até hoje, tenha sido factual e conseqüente.

"O financiamento do banco serviria para que grandes empresas consumidoras de produtos florestais comprassem, antecipadamente, a produção do pequeno produtor, por meio de pagamentos mensais, durante o período de crescimento da floresta (que varia de sete a 15 anos)" explica o diretor do Serviço Florestal Brasileiro.

"Isso garantiria renda para esses pequenos produtores e evitaria mais destruição florestal", conclui.

Eu não acredito nisto para a finalidade ambiental a que se propõe a tese. Haverá sim renda para o pequeno agricultor, através do financiamento de compra à grande empresa: só isto.

Na prática, o Governo estará financiando mais degradação ambiental, pois, com a estrutura precária de fiscalização que o Estado tem hoje, não será cultivada floresta alguma e sim derrubada a existente para vender como se cultivada fosse, à exemplo de práticas análogas que já agora ocorrem.

Não quero crer que haja, por parte do Governo, a credulidade de que tal arquitetura seja conseqüente.

Não seria necessário este repasse, à titulo de gestão democrática da questão ambiental, se o Estado tomasse para si a responsabilidade primeira de por a mão na massa, ou na árvore.