O jornal O Liberou, em 08.09.06, deu um exemplo de como não se deve fazer jornalismo, demonstrou como se pode desprezar a moral e afirmou a capacidade que a imprensa tem de servir aos interesses escusos de quem a alcovita: em chamada de capa sentenciou que a Deputada Federal Ann Pontes era “a mais nova sanguessuga.”
A matéria correspondente não tinha a força condenatória da manchete e não condizia com a chamada da capa: tudo não passava de um ardil para imputar prejuízo político eleitoral à Deputada.
A própria matéria era inverídica, tendo como único fato a constatação, por parte do Tribunal de Contas da União, de irregularidades na execução de uma emenda da Deputada, à conta de prefeitura de Tucuruí, para a compra de ambulâncias.
Como compras de ambulâncias geraram o chamado escândalo das sanguessugas, O Liberal cunhou a vil chamada, com o dolo de estabelecer um nexo que nunca existiu.
A própria CPMI que apura os referido escândalo afastou a afirmação de O Liberal. O próprio TCU advertiu que, a priori, aquele nexo não pode ser estabelecido.
Emendas ao orçamento são prerrogativas legais de atuação parlamentar nos países democráticos e são os instrumentos mais eficazes para chamar a atenção do eleitorado, pois o público tem certa dificuldade para enxergar o trabalho essencialmente legislativo.
É legítimo que o parlamentar lute para inserir as mais diversas emendas enquanto se elabora o orçamento e, feito isto, envide esforços para fazer com que, efetivamente, os recursos assinados cheguem à conta bancária do órgão ao qual foi destinada.
O depósito do recurso é o final do trabalho parlamentar. Daí para frente, inicia-se a fase da execução da emenda, cuja exclusiva responsabilidade passa a ser do gestor do órgão que recebeu o recurso, que é responsável por todos os procedimentos legais cabíveis para fazer a obra ou prestar o serviço correspondente.
A fiscalização destes procedimentos é feita pelos tribunais de contas dos municípios, estados ou União, conforme seja o recurso municipal, estadual ou federal.
Não há irregularidades em emendas parlamentares, pois elas são meras disponibilidades de recursos.
O sistema administrativo nacional sequer confere às emendas parlamentares a característica impositiva, que obrigaria o Poder Executivo a cumpri-las, mas, tão somente, o caráter de autorização, ou seja, se o Executivo desejar, pode fazer.
As irregularidades podem ocorrer na execução das emendas, quando os gestores fazem as obras ou prestam os serviços, e estes são os responsáveis diretos pelas irregularidades por ventura cometidas.
No momento em que o valor da emenda é depositado na conta do órgão aquele passa a pertencer ao patrimônio financeiro deste, que, inclusive, já possui elemento de despesa no seu próprio orçamento para recepcioná-lo.
A priori, estender a irregularidade na execução da emenda ao parlamentar que a elaborou, é lógica de quem ignora completamente a dinâmica do Estado, ou pura maldade de quem se quer valer daqueles que não compreendem aquele mecanismo.
Portanto, cabe ao Prefeito de Tucuruí, aliás, adversário contumaz do grupo político ao qual pertence a Deputada Ann Pontes (fato que por si só já afasta qualquer envolvimento da mesma com a execução da emenda) explicar, ou responder, pelas supostas irregularidades apontadas pelo TCU.
Não obstante a imediata resposta da Deputada no dia seguinte, a maldade se consumou e o prejuízo pessoal e político se estabeleceu.
Mesmo o devido acionamento judicial cabível, não tem o condão do reparo imediato necessário.
É utópico reclamar ética de grupos de poder, sejam eles públicos ou privados.
Quando muito, estes ditos grupos procuram lesar o menos possível os seus respectivos códigos de condutas, erroneamente chamados de códigos de ética, pois que a ética não pode simplesmente ser capturada pelo direito positivo.
Não se deve, portanto, discutir ou querer a presença de ética na política ou ética na imprensa.
Pragmaticamente, para que a sociedade se possa valer da ética para construir os seus códigos de conduta, é necessário que se construa uma ética da política e uma ética da imprensa, para que se arrefeça o jogo bruto que estas duas condições emprestam a quem as maneja.
Embora em alguns casos eu ainda me veja, não mais que de repente, a me alinhar com Marx – como a maioria dos jovens da minha época, já fui comunista - não me alinho com Adorno, da Escola de Frankfurt, que vê na mídia moderna o verdadeiro Lúcifer da comunicação.
A mídia de massa, salvo alguns desvios de conduta, tem servido à democracia.
O que ocorre é que alguns escroques se valem dos meios de comunicação que amealharam, para serem absolutamente frankfurtianos na mais completa tradução de Adorno.
Não se deve condenar o estudo do átomo por causa da bomba atômica. Pela mesma lógica, não se deve condenar a mídia em função do completo desvio de conduta de alguns jornalistas ou de alguns jornais.
Os meios de comunicação de massa proporcionam a proliferação rápida e indiscriminada de informação. Nem sempre o que é veiculado corresponde à verdade dos fatos, mas, veiculada a notícia, o fato passa a ser de menor importância: a versão dada por quem o veiculou passa a ser o essencial.
A Ética da Imprensa, portanto, deveria ser a responsabilidade de não fazer julgamentos sumários, emitindo verdadeiras sentenças em forma de manchetes.
A imprensa deveria construir a sua conduta na sensibilidade de que a versão que empresta à informação pode servir à sociedade, se elaborada com responsabilidade, mas, pode destruir reputações, se cometida com aleivosias.
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