25 de ago. de 2008

O nepotismo sumulado

O Papa Leão X, primeiro nepotista da história: eleito Papa no início do século XVI, nomeou seus dois sobrinhos como cardeais. O nepotismo, do latim nepos, descendente, é o termo utilizado para designar o favorecimento de parentes em detrimento de pessoas mais qualificadas.

A origem da prática está na hierarquia da Igreja Católica, quando os papas privilegiavam os seus parentes para cargos chaves da Santa Sé.

Depreende-se, da definição, que somente o fato de nomear, ou promover, um parente não qualificado, ou menos qualificado que outra pessoa que esteja apto a ocupar o cargo ou função na administração pública, constitua nepotismo.

Se o parente é mais, ou tão qualificado, quanto a outra pessoa na expectativa do emprego, ou promoção, não preenche a definição de nepotismo e não merece ser penalizado da oportunidade: neste caso a administração não estaria sendo prejudicada e é isto que deve nortear o gerente.

À falta de uma legislação ordinária que trate o assunto de forma clara e objetiva, definindo o termo à luz do Direito Administrativo, a prática acabou se instituindo no Brasil: o nepotismo é apenas uma espécie do gênero favorecimento político, a verdadeira praga que corrói a administração pública.

A maioria das democracias maduras possui legislação pertinente: é a forma ideal de não prejudicar uma pessoa qualificada pelo fato de ser parente de um político, e, principalmente, proteger a República contra o ímpeto nepotista dos seus potentados.

Biólogos sustentam que o nepotismo pode ser instintivo: uma maneira de seleção familiar, onde parentes próximos, que possuem genes compartilhados, procuram nele uma forma de garantir que os seus genes tenham uma oportunidade a mais de sobreviver.

O parlamento brasileiro, por conveniência e descuido, furtou ao país uma legislação sobre a matéria. O Supremo Tribunal Federal, em ação concreta, resolveu sumulá-la, na semana que passou, declarando-o ilegal à inteligência da Constituição da República.

A súmula tem efeito vinculante, ou seja, todos os demais juízes singulares e tribunais do Brasil deverão obediência à ela, sempre que sobre o fato forem demandados.

Como sempre, quando o STF, à guisa de julgar, extrapola a sua função e legisla, a súmula não esgota o assunto e, deliberadamente, deixa gretas largas à prática: tampou o STF, o sol com a peneira.

A brecha maior ratifica o que deveria incriminar: continua o chefe político podendo nomear qualquer parente para cargos políticos, como ministros e secretários, não importando se tem o nomeado a aptidão técnica para a função.

O STF, ao colocar o nepotismo na ilegalidade, deixou-lhe o rabo de fora. Ainda se faz necessária uma legislação sobre o assunto, onde o gênero, favorecimento político, seja tratado com exação e sancionado com rigor.

Criminalizar a assunção de alguém capacitado para um cargo, pelo fato de o mesmo ter vínculo de parentesco com quem pode nomear, é uma atitude que resvala para a discriminação pura e simples.

O que deve ser observado no serviço público é a aptidão técnica e a competência política para o exercício da função.

Uma vez garantidas tais prerrogativas, através de meios claros e objetivos, definidos em lei, mesmo em casos de cargos de confiança, a relação de parentesco deve ser um cuidado apenas e não um óbice ao preenchimento.

Tudo que não se enquadrar naqueles princípios, e que de alguma forma, resvale para o favorecimento de grupos, deve ser banido e penalizado aquele que o causou, seja o agente do prejuízo, parente ou não do que lavrou a sua nomeação.

18 de ago. de 2008

O blefe de Saakashvilli

Tropas georgianas batem em retirada frente à tomada de Gori pelo russos. Foto: Reuters O Presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvilli, teve uma péssima idéia ao tentar recuperar o território da Ossétia do Sul.

Somente uma mente abaçanada poderia imaginar que, pelo fato de Putin estar em Pequim, apreciando a abertura das Olimpíadas, o movimento georgiano passaria despercebido: desde que Hitler traiu o pacto de não agressão com Stalin, a Federação Russa jurou a si mesma não confiar em mais ninguém.

Somente uma debilidade mental, autorizaria alguém a concluir que o efetivo georgiano, de 32 mil homens, poderia fazer frente à armada que a Rússia dispõe por trás do Cáucaso, de 900 mil homens.

Pensou pior, Saakashvilli, se contava com a solidariedade física dos EUA: eles adoram exercer os seus delírios imperiais, mas, não estão dispostos a ensaiar escaramuças nos perigosos quintais da velha União Soviética.

A política russa no que tange à autonomia da periferia do Cáucaso é parecida com a da China com as suas possessões: nem sonhar.

A reação russa à ousadia georgiana de reaver a Ossétia do Sul foi real e imediata. Como se trata da Rússia, foi desproporcional.

O desfile dos tanques cirílicos pelo território georgiano, cuspindo fogo a quem lhes olhasse torto, era um recado: somos drasticamente contra as tendências ocidentais do Presidente Saaskashvilli.

O Presidente da Geórgia, quando viu a confusão em que se meteu, apressou-se em assinar o cessar fogo que ele iniciou, mas, como estas coisas precisam ter duas assinaturas, enquanto Medvedev não lavrava a sua, Putin aproveitou para lançar os seus tanques sobre Gori, cidade industrial situada a 70 km da capital georgiana, Tbilisi.

O recado de Putin a  Saaskashvilli: nunca mais se atreva a entrar em território russo, ou ponho a infantaria russa na sua capital em 24 horas.

Passada a refrega, estrategistas internacionais se perguntam por que Moscou agiu de maneira tão ousada no episódio.

A resposta da maioria é que a Rússia aproveitou o blefe de Saaskashvilli para testar a atual fraqueza política dos países democráticos.

Não se pode desconsiderar, também, a influência do petróleo: o segundo maior oleoduto do mundo passa através da Geórgia e a Rússia não quer isto sob o controle absoluto do Ocidente.

Além do mais, com o seu crescente processo de romanização, os EUA se vêem obrigados a manter tropas nos mais esquisitos pontos da Terra, o que os enfraquece frente a uma potência real, como a Federação Russa, que pode estar vendo este como o momento certo para romper as confortáveis relações amistosas que não lhe tem sido tão úteis estrategicamente.

Alguns discordam desta visão por acharem que, embora a Rússia possa ter ganhos estratégicos, terá prejuízos econômicos com a recidiva do eixo Leste Oeste, o que é contestado por aqueles que apostam em um novo alinhamento pró Rússia, de países que estão ressentidos com os EUA.

Os americanos irritaram os sauditas ao montar uma democracia xiita no Iraque, enfureceram os turcos quando apoiaram os curdos e enfraqueceram a OTAN ao permitirem o ingresso de países sem estrutura para tal, afirma o expert em geopolítica da Universidade da Califórnia, Jeffrey Nyquist.

Por isto, continua Nyquist , as lideranças russas provavelmente sentem que é chegada a hora de virar tudo e revelar as fraquezas americanas.

No fundo, Putin peitou Bush e a OTAN juntos: provou que ambos não tiveram tutano suficiente para mandar tropas para a Geórgia.

De quebra, mandou um recado: quando poderia apenas rechaçar uma agressão pífia, invadiu a Geórgia, avisando aos EUA que estes poderão se confrontar com os mesmos tanques caso o Irã seja invadido.

Ao final, os amigos ocidentais de Saaskashvilli devem estar uma fera com ele: a sua sandice só serviu para expor as fraquezas ocidentais diante do crescente realinhamento russo no Médio e Extremo Oriente.

11 de ago. de 2008

Algemar ou não algemar?

algemar[1] A reação policial perante a recente decisão do STF, que restringe o uso de algemas nas operações de prisão, foi de uma retórica ressentida.

“Logo quem vai ser algemado é o policial”.

"Blindaram os escritórios de advocacia, eu não posso mais algemar, não posso fazer nada e posso tomar processo por abuso de autoridade".

"Se o indivíduo algemado entender que houve abuso ele vai processar o policial".

"Vai chegar a hora em que o STF terá que disciplinar o uso do camburão. Nenhum policial, em sã consciência, vai levar o preso ao seu lado de mãos livres. Vai ter que levar na gaiola. Mas vão argumentar que a gaiola não é adequada ao ser humano, então vai ter poltrona, cerveja gelada e TV".

As declarações acima são do Presidente da Comissão de Prerrogativas da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Marcos Ribeiro.

Esta é do Presidente do Sindicato dos Delegados da Policia Federal, Amaury Portugal: "A quem interessa esse tipo de coisa? Aos banqueiros que estão sob investigação, aos criminosos de alta patente que têm o poder do capital e que plantam notícias para conturbar as instituições. Um ministro alegou que a algema constrange. Constrangedor é roubar dinheiro público."

Corre entre os policiais a sensação de que há um complô do crime organizado para desmoralizar a atividade policial e que a decisão do STF faz parte dele.

Apartados os delírios da teoria conspiratória e dado o devido direito de espernear aos policiais que querem fazer às vezes de justiceiros, na prática, a decisão do STF chove no molhado: o emprego das algemas já é disciplinado nos manuais das corporações policiais, exatamente como foi sumulada.

Ou seja, na ânsia de satisfazer a mídia e aos seus próprios instintos artísticos, os policiais que algemam os que não oferecem risco a prisão, estão abusando da autoridade de que estão investidos. 

Mesmo chovendo no molhado, o STF tomou uma decisão salutar contra a moda que se veste no Brasil de querer dar exemplos através do abuso de autoridade: não está escrito em diploma legal algum que prisão de rico deve ser avisada, com data e hora, à imprensa, e que o mesmo deva ser, obrigatoriamente, algemado.

A retórica lúdica contida na reação sociologicamente sofrível dos policiais que se vêem impedidos de fazer o seu trabalho se não puderem constranger, ratifica a tese de que eles estão tendo uma certeza doentia: não se vêem apenas cumprindo a lei quando efetuam uma prisão, mas, também, fazendo justiça social.

O Supremo Tribunal Federal não proibiu o uso de algemas: tudo continua como dantes, ou seja, algemar ou não algemar depende não da categoria econômica do indiciado, ou do mandato que ele exerce, mas da discricionariedade do agente policial, em concluir, de acordo com a lei, se a condução pode ou não ser feita sem o aparato.

O Estado, através de seus instrumentos, não pode humilhar ou constranger ricos ou pobres.

O que disse o STF é o que deve ser: o policial deve cumprir o seu dever e o papel que lhe está reservado em códigos legais.

Qualquer medida tomada ao arrepio da discricionariedade que a lei permite é arbitrária, devendo ser coibida e responsabilizado quem a cometeu.

4 de ago. de 2008

O Grande Irmão

Big Brother - Diogo Sarmento. Clique na imagem para seguir o link. No mundo atual, o cidadão, cada vez mais, perde a sua privacidade em nome da coletividade: os direitos e garantias individuais viram poeira em uma sociedade com medo.

O Estado, cobrindo-se com o manto do totalitarismo da informação, assume o papel orwelliano: “todos devem obediência e amor ao iluminado Grande Irmão”, aquele que tudo vigia, para o bem de todos.

Os cidadãos do mundo, doravante, devem-se acautelar quando viajarem aos EUA: na fissura por segurança que passaram a cultivar depois do fatídico 11 de setembro de 2001, o Departamento de Segurança Interna daquele país aprontou mais uma.

Desde sexta-feira, 01.08, na esteira do provérbio latino, aquas cineri infundere, no vernáculo, em casa roubada tranca-se a porta, os agentes federais podem, em qualquer ponto de entrada dos EUA, reter notebooks e quaisquer artefatos eletrônicos, por tempo indeterminado, para averiguação dos conteúdos.

A nova política do DHS, sigla em inglês para o Departamento de Segurança Interna, foi duramente criticada pelo jornal Washington Post, ao constatar-se que a medida pode ser tomada mesmo que o portador não tenha sobre si nenhuma suspeita de crime.

Segundo alguns juristas estadunidenses, a medida fere a 5ª Emenda, o dispositivo constitucional mais usado para reclamar direitos individuais nos EUA, na medida em que o cidadão pode ser molestado de forma puramente aleatória, sem que pese sobre ele qualquer suspeita.

Os agentes poderão compartilhar o conteúdo dos computadores apreendidos com outras agências e entidades privadas, para decodificação de dados e outras providências.

Os oficiais do DHS fundamentam a nova política de segurança na necessidade de prevenir o terrorismo: notebooks e semelhantes, podem trazer, e levar, dados criminosos que potencialmente colocariam em risco a segurança interna dos EUA.

Segundo o Washington Post, a medida já vinha sendo adotada há mais de 90 dias e só foi divulgada pelo DHS, em 01.08, devido a pressões de grupos defensores de liberdades civis que relataram o aumento no número de viajantes internacionais que tiveram seus laptops, celulares e outros aparelhos eletrônicos examinados.

Estes grupos preparam uma ação de inconstitucionalidade contra a medida e desejam ver a norma reformulada para que as apreensões sejam feitas com as devidas justificativas e em caso de suspeita.

Há relatos de apreensão, inclusive, de livros e panfletos escritos em línguas que os agentes não conseguem entender de imediato, para saber o conteúdo.

Para se defender da grave acusação de invasão de privacidade, ainda um dos tabus jurídicos dos EUA, o DHS afirma que os seus agentes estão obrigados a tomar medidas para proteger as informações contidas nos aparelhos apreendidos.

Todas as cópias do conteúdo apreendido são criptografadas no momento em que elas são feitas e enviadas para análise dos dados, assim como, é imperativo que as mesmas sejam destruídas, se após a análise não for encontrado nenhum motivo para suspeita.

Os grupos de defesa dos direitos individuais duvidam da boa conduta do DHS e acusam o departamento de estar avançando sobre as garantias individuais sob a desculpa do combate ao terrorismo.

Suspeitam, estes grupos, que o DHS está preparando um gigantesco e ilegal banco de dados com informações de cidadãos norte-americanos e de todo o mundo que viaja para os EUA.