O Supremo Tribunal Federal, em julgamento histórico ido em 4 de setembro de 2007, albergou o juízo do Tribunal Superior Eleitoral de que o mandato pertence ao partido político e não ao candidato eleito.
Com tal declaração, emanada em construção de lógica estrita por 7 dos Ministros, embora, talvez, sem resistência silogística ampla, o STF inculcou no direito positivo brasileiro a fidelidade partidária, sobre a qual a Carta Magna calou e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos tergiversou.
A verdade jurídica é que tanto o TSE quanto o STF fizeram engenharia reversa para declarar o que o Poder Legislativo já deveria ter feito há tempos: os dois tribunais viram a necessidade de por ordem à balburdia partidária imbricada no Brasil, sentiram que a nação desejava este basta e partiram, do resultado que tiveram, para construir, de ré, a tese que deveriam montar.
Fizeram isto com competência absoluta: os três ministros que não acolheram a tese não foram capazes de destroçá-la com as suas respectivas antíteses.
Não obstante, embora pudessem ter sido mais competentes para demonstrar o sofisma aos olhos do direito positivo pátrio, os ministros discordantes não teriam sucesso nem que encarnassem Descartes, Tomás de Aquino e Kelsen: o STF já havia decidido antes de entrar no Plenário.
A decisão do STF, dois dias antes do veredicto era mais radical: os sete ministros estavam escrevendo os seus votos a partir da conclusão de que o mandato pertencia ao partido e que isto era uma imposição jurídica desde 1995, quando entrou em vigor a Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
Por isto, a decisão máxima não poderia cogitar a hipótese ex nunc e sim a certeza do ex tunc.
No jargão jurídico isto queria dizer que a decisão não valeria só dali para frente e sim desde 1995, ou seja, todos os políticos com cargo proporcional que mudaram de partido nesta legislatura perderiam o mandato automaticamente ao ser deferida a segurança requerida.
Foi aí que o Governo, juntamente com a Câmara de Deputados, agarraram-se para somar forças e aquebrantar a decisão do STF. Aquele perderia cerca de 40 deputados na base de sustentação, esta poderia ter que enfrentar um motim de significativa quantia de seus pares.
O Presidente da Câmara, acossado pelo líder do PR e aconselhado pelo Presidente do PMDB, Michel Temer, montou uma força tarefa para encurralar o STF. O ex-ministro da Corte, Nelson Jobim, foi acionado.
Na antevéspera do julgamento a Presidente do STF recebeu o estado maior da coalizão, que lhe admoestou da crise institucional que se avizinhava, com a Câmara disposta a não dar cumprimento à segurança da Corte, caso deferida da forma radical que estava a ser produzida.
A Presidente do STF não quis comprar a briga: reuniu os ministros e sugeriu algo mais brando, ao que reagiram, de imediato, os Ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Carlos Britto.
A tábua de salvação veio do mais antigo, e um dos mais sábios: o Ministro Celso Melo, que encontrou a orientação de, em nome do princípio da segurança jurídica, abrir uma janela de meio termo e dar efeito ex nunc à decisão, a partir da publicação do parecer do TSE sobre o assunto, em 27 de março de 2007, já que o próprio STF, em decisão anterior, já houvera negado segurança a mandado similar.
Consta que Marco Aurélio refusou a tese com o argumento, verdadeiro, de que não era legal estribar a segurança jurídica na decisão alentada, pois que esta fora ementada antes de 1995 e, portanto, sepultada pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
Ante os apelos da Presidente e os resmungos de Peluzo, o mais indignado com a clara interferência dos dois outros poderes na Corte Suprema, ficou acordado que aquela era a única solução possível para evitar a crise.
Marco Aurélio foi convencido a não contestar o princípio ex nunc que seria iniciado por Celso Melo, ou o STF teria que vencê-lo pela força dos votos e não pela argumentação jurídica, que de fato não havia contra a sua observação.
Neste clima foram os juízes supremos do Brasil para o Plenário, já com a decisão firmada de arrostar os políticos com a fidelidade partidária, mas sem encostá-los demasiadamente à parede, deixando uma saída que não alcançaria a todos.
Assim, na mediação do nem tanto porém não tão pouco, a linha divisória de 27.03.2007 apanhou menos do que queria o STF e mais do que desejaria o Governo e a Câmara juntos.
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