Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus (Mt 22,21)
Em seu livro, Jesus de Nazaré, a ser lançado em 16.04.07, o Papa Bento XVI transita por assuntos que foram caros à Santa Sé.
Se não quis o Sumo Pontífice transformar o conteúdo do livro em uma encíclica, retirando dele o princípio teológico da infalibilidade, é possível que venha, mais tarde, sistematizada a discussão que advirá, surgir a Carta versando sobre os pontos que guardam as entrelinhas do ensaio literário.
Manifesta-se o Papa, por exemplo, a respeito da divisão entre a Igreja e o Estado, através de uma opinião clara sobre o binômio fé e política, hoje tão banalizado no exercício da democracia.
Diz o livro, de forma clara, que a fé e a política devem ficar separados, ao afirmar que "a luta pela liberdade da Igreja, para que o reino de Jesus não seja identificado com nenhuma estrutura política, deve ser conduzida em todos os séculos".
Esta contenda entre a Igreja e o Estado, e o devido papel de cada um, ocupou, de fato, boa parte da história ocidental, à medida que uma e outro desejavam, absolutamente, dominar os súditos, através do Papa ou do Imperador.
Por mais de quatro séculos, entre o XI e o XV, foi intensa a polêmica na Europa Medieval entre os teólogos e pensadores que defendiam a proeminência do Papado e os que se posicionavam a favor do Império para a dominação dos povos.
A escolha entre Pedro ou César pautou toda a Idade Média, com incontestável vantagem para o primeiro, que era subsidiado pelo segundo, o qual, todavia, coroava, para que tivesse este, a prerrogativa do poder divino.
Ficou então combinada esta correspondência de interesses, corroborada por dogmas que misturavam e ratificavam os despotismos de ambos, diminuindo ou desaparecendo com os verdadeiros princípios da mitologia crística.
Venceu a tese, já nos estertores da Idade Média, de Marcilio de Pádua, tido como um dos precursores das modernas teorias a favor do Estado Secular, contra a ingerência do Religioso, em uma construção competente, a ponto de triunfar sobre as construções dialéticas dos doutores da igreja, dentre eles o espetacular Tomás de Aquino, autor da Suma Teológica.
Bento XVI, no livro em tela, coloca-se ao lado de Marcilio de Pádua e ratifica a divisão entre a Igreja e o Estado e, portanto, entre o exercício da fé e dinâmica da política, contrariando, agora, a orientação progressista de alguns membros da Igreja Católica.
Adverte, em seu livro, o Papa sobre a mistura de fé e política: "O Império Cristão tentou transformar a fé em fator político. A fraqueza da fé, a fraqueza terrena de Jesus, devia ser substituída pelo poder político e militar. Ao longo dos séculos, esta tentação se apresentou de formas diferentes, e a fé sempre correu o risco de ser sufocada pelo abraço do poder. A fusão entre fé e poder político tem sempre um preço".
Que preço a Igreja tem pagado ao não devolver a César a moeda que é dele e tentar comprar com ela alimento para o corpo, que deveria ser a parte do imperador, negligenciando o conforto da alma, que, segundo o Papa, é a parte de Deus?
Ou será que entre Marcilio de Pádua e Tomás de Aquino, há uma nova dialética que poderia ser o meio termo que o cidadão Joseph Ratzinger quer buscar em suas dúvidas sobre o papel que a Santa Sé deve exercer nestes tempos de mudanças de paradigmas?
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