18 de fev. de 2008

Desengajamento democrático

murro[1] Os cientistas políticos britânicos, Paul Skidmore e Kirsten Bound acabam de publicar, no site da Demos, um ensaio que versa sobre a crise do sistema democrático nas economias avançadas.

Afirmam que a distância entre o povo e os políticos tem aumentado nas democracias européias: os cidadãos europeus estão cada vez mais céticos e exigentes com os governos, o que gera o que chamam de "crise de desengajamento".

Um dos índices do trabalho foi a constatação de que a filiação partidária nas democracias da Europa Ocidental caiu pela metade nos últimos 20 anos e, a partir dos anos 70, a confiança dos britânicos no governo caiu pela metade de sua média histórica.

A queda de confiança no governo é mais rápida na Itália. O fenômeno se repete na Áustria e Alemanha, e, para minha surpresa, Suécia e Finlândia têm curva de queda similar: reputo as democracias escandinavas as mais avançadas do planeta.

Sugerem os autores que esta “ubiqüidade da tendência em sociedades e sistemas políticos tão diferentes ressalta a principal objeção à sabedoria convencional sobre o desengajamento democrático”.

Ficou claro na assertiva que eles decretam a morte dos teoremas atuais para dar solução ao fenômeno do desengajamento democrático.

Depreendem os autores que o desengajamento democrático não pode ser medido na proporção do desempenho governamental: os dados provam que os governos atuais são hoje mais eficientes que as suas gerações anteriores. O desempenho dos governos melhorou.

Pergunta, o silogismo do ensaio: “se o desempenho de políticos ou instituições políticas em particular, ou a saliência de crises específicas, não é a raiz do problema, qual é?”

Responde, ele mesmo, a seguir: “Uma categoria mais plausível de explicação aponta as origens do desengajamento político na crescente riqueza e desenvolvimento econômico nas democracias maduras, e as amplas mudanças nos valores sociais que isto provocou”.

Ou seja, os autores não aponta o dedo da culpa na direção dos políticos, mas, os contextualizam na raiz do diagnóstico: o grau de exigência dos cidadãos aumentou e os políticos e as políticas convencionais não estão conseguindo responde-las em um modelo democrático convencional.

Segundo os autores, ainda na linha de dissertação do diagnóstico do desengajamento, “os cidadãos estão mais acostumados a se virarem sozinhos. Eles têm mais liberdade do que a geração anterior sobre que empregos escolher, onde viver ou para onde viajar, sobre os bens que compram e a comida que comem, mesmo por quem se apaixonam. É fácil desprezar isto como consumismo, mas reflete um desejo por maior autonomia e liberdade de expressão: um desejo que está na raiz de muitos dos projetos da esquerda e da direita há um século”.

Completa o ensaio que ao cidadão não mais interessa exclusivamente a satisfação das suas necessidade básicas como dantes estas eram conceituadas: ele quer a presença do Estado em outras atividades e conceitos antes inexistentes na agenda cotidiana da nação.

Estes outros conceitos e necessidades são denominados como preocupações pós materialistas, como por exemplo, a agenda ambiental e a busca de identidade social.

Os governos, acostumados e limitados a lidar com uma sociedade de consumo pura e simples não conseguiram ainda montar uma agenda que inclua, de forma eficiente, questões mais complexas que o equacionamento de impostos: está mais complicado proporcionar felicidade às pessoas.

Um outro ponto interessante evidenciado no trabalho, para compor a tese do desengajamento democrático, é o que o autores chamam de "declínio da deferência": o respeito da maioria das pessoas pelas formas tradicionais de autoridade pública diminuiu.

Afirmam que “isto poderia ser menos problemático se fosse acompanhado por um declínio das expectativas em relação ao que a autoridade pública pode fazer. Mas na verdade ocorre o inverso: nós esperamos mais, e não menos, do governo”.

Finalmente, depositam a derradeira pedra na sopa do desengajamento ao afirmar que o cidadão moderno constrói um modelo no qual a valorização da contestação ao governo é que faz acontecerem as mudanças sociais: “o progresso vem da contestação do sistema e não por meio dele”.

Concluem que este caldo aponta para um paradoxo: quanto mais os cidadãos consolidam os seus laços com a democracia maior é a decepção deles com ela.

Há pontos no trabalho que guardam alguma similaridade com o Brasil, todavia, por aqui a questão é mais complexa.

Ao mesmo tempo em que estamos com uma agenda pós materialista parecida, ainda precisamos prover saneamento básico para mais da metade do país, ou seja, os políticos e o povo, por aqui, estão com o cobertor curto, embora, é claro, alguns prefiram afirmar que o povo não tem cobertor algum.

Baixe aqui o  trabalho completo, em inglês.

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