Homero, na Odisséia, escreveu que, embora atribuam aos deuses os seus mais diversos fados, os homens são os autores das suas próprias desgraças.
Absortos com as catástrofes do mundo e os escândalos do Brasil, pouco percebemos uma pergunta feita, no início de junho, por um homem que visitou Auschwitz, o mais horrendo campo de concentração da Alemanha nazista.
O homem perguntou, a respeito da execução de cerca de 1,5 milhões de judeus: “Por que, Deus, o Senhor permaneceu em silêncio? Como pôde tolerar tudo isso? Onde estava Deus naqueles dias? Como pôde Ele permitir esse massacre sem fim, esse triunfo do mal?".
A pergunta poderia soar como um desabafo coloquial, se o dito homem não fosse exatamente o Papa Bento XVI.
Teria o Papa vacilado em sua fé, ou quis somente ressuscitar um debate teológico-filosófico que os pensadores atuais abandonaram?
Se há um Deus bondoso, onipotente e onipresente, por que o mal sempre teve guarida entre os homens?
Esta pergunta tem apoquentado os mais diversos pensadores cristãos desde Santo Agostinho, que a formulou a priori.
O alemão Leibniz ensaiou uma tese como resposta: Deus criou o mundo depois de avaliar infinitas combinações possíveis e verificar que a forma final escolhida é aquela em que a soma de todos os males, por mais calamitosos que resultem aos homens, ainda é inferior à de qualquer outra possibilidade.
Por isto, ao cabo, o bem sempre triunfa, pois o mal não encontra possibilidade alguma de se sobrepor a ele: a vitória sempre será de Deus, acalentando os homens.
Por Leibniz, embora Auschwitz tenha sido um mal nas possibilidades da criação, ele não perdurou: Deus estava lá. O nazismo não venceu.
Para a Igreja Católica os males morais não fazem parte da criação, mas são uma corrupção dela. O que leva os homens ao pecado é uma faculdade que Deus os concedeu em função da própria existência deles: o arbítrio.
Pelo livre arbítrio, Deus opta por não interferir na volição dos homens, deixando a eles a responsabilidade de tomarem as atitudes que houverem por convenientes.
Dado o livre arbítrio, deve o homem ser responsabilizado pelas conseqüências dos seus atos, não devendo invocar Deus, ou perguntar onde Ele se encontrava, quando as atitudes humanas foram desastrosas ou inconseqüentes. Isto faz verdadeira a lavra de Homero, na Odisséia.
O filósofo alemão, Schopenhauer, negou magistralmente a tese do livre arbítrio. Santa Teresinha do Menino Jesus também. Mas isto é outra história.
O autor da Suma Teológica, Tomás de Aquino, depois feito santo pela Igreja Católica, elaborou o mais brilhante dos raciocínios para explicar o mal como prova da existência divina. É dele a frase: "Se o Mal existe, Deus existe".
A tese de Santo Tomás, que não se afasta, na essência, daquela de Leibniz, demonstra que se há o mal como elemento nas probabilidades da criação do mundo, necessariamente há o bem, que são as forças morais cuja soma suplanta e dá cabo àquele. A fonte destas forças é a presença de Deus no coração dos homens.
Onde estava Deus, quando aconteceram os horrores de Auschwitz?
Ele estava na vontade heróica de milhões de soldados que lutavam nas trincheiras do mundo em guerra, para não deixar que Hitler vencesse.
Estava nas orações de milhões de mães, pais, esposas e filhos, que sofriam e labutavam resignadamente na confiança da vitória.
Ele estava na vontade dos homens que preparavam um mundo livre.
Se ainda não sabemos o que fazer com este mundo livre e belo, é um problema nosso e não uma vontade Divina.
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