Em seu livro, 1984, George Orwell, preconizou um mundo em que a democracia desapareceria, dando lugar a um governo totalitário que controlava a vida dos cidadãos, através de câmeras de televisão onipresentes.
Pelo mesmo tema caminharam os quadrinhos de Alan Moore, V de Vingança, escritos em 1982 e recentemente adaptados para o cinema, com o mesmo nome.
No final da década de 80, em Chicago, Robert Miltus, um rico dono de imóveis, mandou construir um prédio de 12 apartamentos para alugar.
Mudou-se para a cobertura e de lá bisbilhotava a vida de todos os seus inquilinos, pois havia colocado, nas salas dos apartamentos, câmeras de vídeo escondidas.
Miltus se divertia com o seu voyerismo eletrônico até que um dia um assassinato foi gravado em um dos apartamentos.
Um dos seus amigos, que com ele compartilhava da diversão de bisbilhotar a intimidade alheia, chocado com o crime, contou tudo à polícia.
O cinema parodiou o caso, transportando o edifício para New York, com o nome de Sliver. O jovem Mr. Sliver se deleitava diariamente com as curvas de Sharon Stone embaixo do chuveiro.
No Brasil o filme chamou-se Invasão de privacidade.
Semana passada assisti na televisão uma reportagem sobre uma cidade do interior da Inglaterra, que instalou em todas as ruas e repartições públicas, câmeras de televisão, monitoradas pelo departamento de segurança do município.
Desde a instalação do sistema, cerca de um ano, já foram flagrados seis delitos que culminaram em condenações.
Os moradores andam entusiasmados com a idéia de também instalarem câmeras em suas residências e conectarem as mesmas ao sistema de monitoramento da cidade. Eles as ligariam e desligariam conforme suas conveniências.
O Poder Executivo cada vez mais, em nome da segurança de todos, e da sua famigerada sede de arrecadação total, busca meios legais de invadir a privacidade do cidadão.
O Poder Legislativo, submisso ao Executivo, cada vez mais lhe entrega os meio legais de se transformar no Grande Irmão.
O Poder Judiciário, sem maior condição de arbítrio, submisso à lei, ou aos interesses imediatos do Poder Executivo, determina a retirada do véu individual.
A imprensa, sempre ávida por furos, sejam eles de gosto ou ética duvidosa ou não, escancara a intimidade do cidadão.
A corrupção disto, como elemento extremo das ferramentas que o Estado já dispõe para saber até o nosso gosto musical, é que, não mais que de repente, sem obediência aos tramites legais, aquilo que o Estado deveria guardar para seu proveito, vaza, através dele próprio, como elemento de escândalo.
Foi o que ocorreu a semana que passou, com a Senadora Ideli Salvatti do PT de Santa Catarina, que teve os saldos e a movimentação da sua conta bancária expostos nas páginas dos jornais do Brasil, sem que, nem ela, e nem a justiça, tivessem autorizado tal procedimento.
Este é o admirável mundo novo que já se apresenta: um mundo em que a privacidade, cada vez mais, é uma quimera.
Não se deve resguardar a privacidade para ocultar crimes, mas, em hipótese alguma, dever-se-ia escancará-la para produzir provas e, é absolutamente imoral, usá-la para encenar escândalos.
Os extremos sempre produzem resultados desastrosos. Nenhum de nós quer viver em um mundo onde a nossa individualidade seja devassada com o toque de uma tecla, mas, se nada fizermos para dar um freio na sanha do Estado em fazer isto, em pouco tempo seremos reduzidos a um código de barras.
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