A reação policial perante a recente decisão do STF, que restringe o uso de algemas nas operações de prisão, foi de uma retórica ressentida.
“Logo quem vai ser algemado é o policial”.
"Blindaram os escritórios de advocacia, eu não posso mais algemar, não posso fazer nada e posso tomar processo por abuso de autoridade".
"Se o indivíduo algemado entender que houve abuso ele vai processar o policial".
"Vai chegar a hora em que o STF terá que disciplinar o uso do camburão. Nenhum policial, em sã consciência, vai levar o preso ao seu lado de mãos livres. Vai ter que levar na gaiola. Mas vão argumentar que a gaiola não é adequada ao ser humano, então vai ter poltrona, cerveja gelada e TV".
As declarações acima são do Presidente da Comissão de Prerrogativas da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Marcos Ribeiro.
Esta é do Presidente do Sindicato dos Delegados da Policia Federal, Amaury Portugal: "A quem interessa esse tipo de coisa? Aos banqueiros que estão sob investigação, aos criminosos de alta patente que têm o poder do capital e que plantam notícias para conturbar as instituições. Um ministro alegou que a algema constrange. Constrangedor é roubar dinheiro público."
Corre entre os policiais a sensação de que há um complô do crime organizado para desmoralizar a atividade policial e que a decisão do STF faz parte dele.
Apartados os delírios da teoria conspiratória e dado o devido direito de espernear aos policiais que querem fazer às vezes de justiceiros, na prática, a decisão do STF chove no molhado: o emprego das algemas já é disciplinado nos manuais das corporações policiais, exatamente como foi sumulada.
Ou seja, na ânsia de satisfazer a mídia e aos seus próprios instintos artísticos, os policiais que algemam os que não oferecem risco a prisão, estão abusando da autoridade de que estão investidos.
Mesmo chovendo no molhado, o STF tomou uma decisão salutar contra a moda que se veste no Brasil de querer dar exemplos através do abuso de autoridade: não está escrito em diploma legal algum que prisão de rico deve ser avisada, com data e hora, à imprensa, e que o mesmo deva ser, obrigatoriamente, algemado.
A retórica lúdica contida na reação sociologicamente sofrível dos policiais que se vêem impedidos de fazer o seu trabalho se não puderem constranger, ratifica a tese de que eles estão tendo uma certeza doentia: não se vêem apenas cumprindo a lei quando efetuam uma prisão, mas, também, fazendo justiça social.
O Supremo Tribunal Federal não proibiu o uso de algemas: tudo continua como dantes, ou seja, algemar ou não algemar depende não da categoria econômica do indiciado, ou do mandato que ele exerce, mas da discricionariedade do agente policial, em concluir, de acordo com a lei, se a condução pode ou não ser feita sem o aparato.
O Estado, através de seus instrumentos, não pode humilhar ou constranger ricos ou pobres.
O que disse o STF é o que deve ser: o policial deve cumprir o seu dever e o papel que lhe está reservado em códigos legais.
Qualquer medida tomada ao arrepio da discricionariedade que a lei permite é arbitrária, devendo ser coibida e responsabilizado quem a cometeu.
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