O Professor Aldebaro Klautau foi um destes educadores que podiam ser chamados de mestre.
Nas suas aulas de Direito Penal, contava uma história que com ele se passara.
Era assistente da acusação de um homem que houvera cometido um assassinato e esmerou-se na missão de condenar o réu, que exercia a profissão de barbeiro, conforme descrevia os autos.
Para surpresa de todos, ao final, o Júri decidiu pela absolvição por 6 votos a 1.
Nada restava a não ser aceitar ou recorrer da sentença que o Presidente do Tribunal do Júri prolatara, adstrito à soberania do Corpo de Jurados.
O Mestre Aldebaro saiu desejoso de saber quem, dentre os 07, lhe houvera dado ouvidos e votara pela condenação, que, a seu ver, seria de justiça.
Um ano se passou. O Mestre Aldebaro, certo dia, enquanto aguardava transporte para a ilha de Mosqueiro, foi abordado por um senhor que, o cumprimentando, lembrou-lhe ter sido um dos jurados daquele fatídico julgamento em que não se fizera justiça e o criminoso fora absolvido.
Os olhos do professor brilharam quando o homem disse:
- Eu fui o único que votei pela condenação, doutor.
- O senhor, então, entendeu as minhas razões? Percebeu que aquele homem jamais poderia ter sido absolvido devido às provas contundentes que foram expostas?
- Que nada, doutor, desde o começo, na hora que eu ouvi que aquele desgraçado era barbeiro, eu não mais quis saber do resto e só esperei a hora de condenar o patife.
O Mestre Aldebaro se espantou:
- Por quê? Qual a ligação entre a profissão do réu e a sua convicção em condená-lo?
- Eu detesto todos os barbeiros, doutor: a minha mulher fugiu com um.
O que se deu com o Professor Aldebaro não desqualifica o instituto do Tribunal do Júri, todavia, é um índice para que se compreenda o alto grau de equívoco a que esta forma judiciária pode estar incorrida, caso não sofra algum tipo de atualização.
A recente absolvição daquele que vinha sendo apontado como o mandante do assassinato da Freira Dorothy Stang é uma destas surpresas que apronta o Tribunal do Júri.
O Poder Judiciário não se exime do veredicto: o Tribunal do Júri é, constitucionalmente, parte integrante da Justiça, que já deveria ter aberto um debate institucional sobre a arcaicidade do instituto.
É necessária a preservação do núcleo histórico democrático do Júri Popular, mas, devido ao avanço a que chegou o Direito e o cuidado que o Estado deve ter para aplicá-lo, não mais deve ser tão aleatória a escolha daqueles que irão, de forma direta, dizer a justiça pela República.
Quanto menos formação e informação geral se exigir dos jurados, maior será a probabilidade de a República absolver culpados, ou o pior dos mundos, condenar inocentes.
Mas, à bem da prudência, devemos ser cautelosos nos arroubos de fazer justiça e, em não tendo sido ela dita da forma que esperávamos, socar a boca de quem a proferiu.
Embora as regras sejam elaboradas de forma científica, a justiça é um jogo que vence quem se colocou melhor e com mais discernimento na mesa.
Não servem, portanto, as decisões do Tribunal do Júri, pelas suas peculiaridades, para avaliações precipitadas sobre o Poder Judiciário.
Nenhum comentário:
Postar um comentário