Há uma overdose de informação sobre a atual crise financeira que começou nos EUA e se alastrou pelo mundo: muita gente ouve, mas não lhe consegue entender a gênese.
Veja o que ocorreu para que Wall Street voltasse a ser um simples muro no Lower Manhattan:
O seu Zé tinha um boteco e resolveu vender fiado, anotando a dívida em um caderninho. Para remunerar o crédito se deu ao direito de aumentar o preço.
O negócio deu certo. O seu Zé aumentou os itens oferecidos e o caderninho começou a comportar mais recebíveis.
O seu Zé, então, foi ao banco pedir um empréstimo para alavancar o negócio.
O gerente perguntou se havia alguma garantia: o seu Zé mostrou o caderninho, como prova de que poderia pagar o empréstimo com o que tinha a receber dos fregueses.
O gerente viu que as dívidas ali contidas eram ativos recebíveis, e constatou que o caderninho do seu Zé era mais rentável que as aplicações do banco: começou a adiantar dinheiro ao boteco, comprando as dívidas dos fregueses do seu Zé, com um razoável deságio.
O seu Zé, para garantir a sua margem de lucro, aumentou ainda mais o preço das mercadorias.
O banco pegou o caderninho do seu Zé e o transformou em títulos bancários, com aquelas siglas cabalísticas, tais como, CDB, RDB, CDO, Hedge, Prime, ou qualquer outro acrônimo financeiro.
O banco colocou sobre preço nas operações, para poder pagar o que adiantava ao seu Zé e ainda ganhar algum.
O caderninho virou moeda virtual e pousou nas carteiras dos bancos do planeta: virou ativo financeiro e contribuiu para alavancar o mercado de capitais e conduzir operações estruturadas de derivativos na bolsa.
Nos títulos não estava escrito que o lastro era um boteco, e que o valor original do ativo era 10 vezes menor que o negociado na bolsa.
Esqueceram de acompanhar a saúde financeira dos devedores do boteco que, nos altos e baixos da vida, estavam em dificuldades para saldar a conta corrente do caderninho.
O seu Zé começou a atrasar ao banco o que lhe era adiantado e, para receber algo dos fregueses, dava-lhes descontos, o que lhe tomava o lucro.
Seu Zé não mais pagava a integralidade do adiantado pelo banco e nem conseguia repor o estoque na mesma proporção, o que começou a afugentar os fregueses, que corriam a outro boteco para comprar, também fiado, o que não mais tinha no seu Zé.
O outro boteco apelou para a mesma operação do seu Zé, em outro banco, e a história se repetiu sucessivamente.
O banco não mais adiantou ao seu Zé e este, sem receber dos fregueses, e sem capital para renovar o estoque, quebrou.
O banco, então, descobriu que vários outros bancos tiveram a mesma ideia e que milhares de caderninhos tinham se transformado em siglas financeiras.
Todos cortaram os adiantamentos e correram para as seguradoras, onde tinham hipotecado as suas operações, para o caso de dar algo errado.
As seguradoras não tiveram como arcar com os prejuízos de uma só vez e quebraram junto com os bancos.
O pessoal que comprou os títulos lastreados nos caderninhos, ao descobrir que poderiam perder o investimento, correu para salvar as finanças, mas os bancos não tinham como saldar porque os botecos haviam ido à falência.
Nestas alturas, mesmo quem comprou ações de lastro sério, seguindo a linha do seguro morreu de velho e o desconfiado ficou, correu para vender as suas posições, o que fez com que todas as ações despencassem.
E aí, todo mundo que tinha depósito em bancos, com medo da quebradeira, começou a sacar o dinheiro para guardar em casa e todo o sistema financeiro começou a implodir.
Como o dólar, apesar de tudo, ainda é uma moeda confiável, o resto do mundo começou a comprar dólar o que lhe fez o preço disparar.
Para consertar o estrago causado não resta alternativa a não ser o contribuinte, que nunca comprou nos botecos dos zés da vida, pagar a conta.
Estimam os analistas mais experientes, que a soma de todos os caderninhos que tiveram os seus valores inflados pelo mercado financeiro chega a 10 trilhões de dólares: é exatamente isto que os governos terão que repor para pagar a farra que não fizemos.
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