22 de jun. de 2010

Papéis velhos

Artigo escrito em 1994

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Estava indo para o Palácio dos Despachos com o Ronaldo Passarinho. No caminho conversávamos sobre literatura.

A conversa começou pelo Eça de Queiroz e lá pelo Bosque Rodrigues Alves, já estávamos no Machado de Assis.

Embora eu tenha lido a maioria dos livros, li poucos contos do Machado. Ronaldo leu muitos. Resumiu-me uns três. Um deles me chamou a atenção: Papéis velhos.

Brotero era um deputado do Império que sonhava galgar um ministério.

Trocar-se-ia um ministro. Brotero estava na lista, mas não foi o escolhido.

Amargurado, reclamou ao Primeiro Ministro: nunca houvera pedido cargo algum, tudo que queria era servir à pátria, todavia preterido quando todos julgavam certo o seu nome, era algo que não poderia suportar. Renunciaria ao mandato.

À noite, Brotero entrou em sua biblioteca e redigiu a carta renúncia que entregaria logo cedo.

Ao recolher-se não conseguiu dormir. Lá pelas tantas levantou e voltou à biblioteca.

Revirando seus escaninhos descobriu um rolo de papéis velhos. Abriu-os: eram cartas que trocara por toda a vida, com amigos, parentes e amores.

Começou a reler as missivas e a relembrar as passagens que as deram origem: amores pelos quais quase enlouquecera, descaminhos repreendidos por amigos, desculpas de um amigo por uma carta malcriada, e até cartas que fizera e que jamais enviara, por concluir que a leitura delas pelo destinatário poderia causar transtornos desnecessários.

Aqueles velhos papéis, concluiu Brotero, guardavam passagens de sua vida que à época lhe foram de suma significância e que agora nada mais eram que longínquas lembranças.

Ao acabar de ler aqueles papéis, Brotero estava mais leve e descontraído e resolveu voltar ao quarto para tentar conciliar o sono.

Súbito retornou à biblioteca, pegou a carta renúncia e caminhou rumo ao candeeiro para lhe atear fogo.

Quando ia entregar a carta à chama, recuou. Pegou o rolo de papéis velhos que antes lera e acostou a carta à eles: mais um velho papel que poderá servir para me aliviar a alma em um dia de amargura, pensou consigo.